34 Dois dias

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Hoje voltamos à programação normal: assumi o mercado pela manhã e meu pai vem à tarde.

Se eu aceitasse me sentar á mesa para o café da manhã, minha avó iniciaria algum assunto de que não quero falar. Além de utilizar meu direito a quinta emenda, não gostaria de ficar escondendo o braço para ela não ver as marcas feias que amanheceram nele.

Furtei uma maça na fruteira, dei meu rotineiro beijo de bom dia e vim abrir nosso estabelecimento.

Terminei de varrer e espanar o pó, mas tenho um milhão de coisas para fazer antes de receber alguns caminhões de mercadoria.

Não estou nos meus melhores dias. Silenciosa e emurchecida, eis-me aqui.

Ao finalizar metade da limpeza, decidi não passar pano. Tenho o privilégio de escolher o que quero fazer. Sou minha chefe.

Atendo uma ligação do meu irmão, ao mesmo tempo que confiro a validade dos produtos do freezer dos fundos.

- Bom dia, feiosa. - ele é sempre um querido comigo. Eu sei que me ama, não precisamos de bajulação para sabermos disso. - Tua mãe tá sabendo de tudo já. Vai te ligar ai, mais tarde. Que porra é essa de você tá namorando, Talia?

O celular está prensado em meu ouvido pelo meu ombro, minhas mãos ocupadas retirando queijos e outros laticínios para conferência.

- Vai bancar o irmão ciumento agora? - a monotonia se pronuncia em meu tom. Preguiça total de dar explicações. Minha noite anterior foi uma cessão de desespero. Preciso de um pouco de paz no trabalho para poder esvaziar a mente. Pelo visto, minha família está disposta a não permitir que isso aconteça.

- E para de falar palavrão, Léo. - recrimino.

- O mesmo babaca da chamada de vídeo. Aquele arrombado come homem, Talia.

- Você está implicando com ele. Até meu pai aprovou.

- Não foi o que ele contou a nossa mãe e que ela me contou. Ela me acordou às seis da manhã pra tagarelar disso, velho. Tu é foda... atrapalha meu sono até de longe.

- Tá preocupado comigo, né? - joguei piada provocativa. Ele odiava mostrar que se importava, e eu adorava esfregar isso na cara dele.

Bufou.

- Vai se foder. Quem sabe se nossos pais não me envolvessem nas tuas merdas eu não me importaria.

- Tu me ama, manézão. Estou com saudade. O que o pai falou exatamente? - comecei a sentir certa preocupação. Para qual dos dois caras de ontem, ele direcionou sua implicância paterna?

- Disse um monte... Tava meio puto. Não tá aprovando muito esse namorico. Mamãe mandou ele te deixar viver. Ela ainda acha que tu não superou o José. Por falar nele, acho que ele tá namorando um cara...

- Mesmo? E as meninas? Tem visto elas? - queria notícias das minhas amigas, sem ser pela boca delas. As vezes, elas enfeitavam situações para não parecerem enfadonhas.

- Só vejo a Evilyn de vez em quando. Ela frequenta o mesmo círculo social que eu. As outras, minha mãe viu na igreja. Disse que a Karen engordou. Deve tá mais gostosa ainda...

- Não fala assim das minhas amigas! - sempre brigamos por esses motivos. Meu irmão é proibido para elas e vice-versa. - Se falar com o José deseje felicidades por mim. Outro dia, ele curtiu uma foto que postei, mas não nos falamos. Karen contou no grupo que ganhou três quilos. Sua mãe tá bem observadora, hein...

- Talia, o pai disse que o frente ai do morro gostava muito do vô, gosta muito da vó, que esculachou seu namorado. - pulou de volta para o assunto anterior.

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