23 Não há nada errado

615 47 0
                                    

Daddy chegou na hora do jantar em casa. Passou o dia na companhia de um amigo antigo. Minha avó reconheceu o nome do tal amigo. Eu, como havia de se esperar, não fazia ideia de quem se tratava.

Antes de ele sair do banho, enquanto estávamos sozinhas na mesa de jantar, minha avó fez de tudo para me convencer a ligar para o Jc e perguntar que raios ele achava que estava fazendo. Mas eu não ia correr atrás. E outra, ele disse que me explicaria pessoalmente, então vou aguardar.

Já a vovó, estava disposta a descobrir amanhã mesmo através da coitada da Cibele, que vem para limpar a casa e lavar as roupas. Coitada assim... não sabemos até onde ela pode ir para se livrar da ex nora. Poderia estar muito bem acobertando os erros e mentiras do filho. Ninguém era inocente até que se provasse o contrário.

Daddy se juntou a nós, e fizemos uma rápida chamada de vídeo com o restante da nossa família de Macaé. Tanto eles como nós, estávamos amargando uma saudade agre. Era um sacrifício essa separação por tanto tempo, pela primeira vez em nossas vidas.

Minha mãe prometeu dar um pulo aqui no primeiro feriado que aparecesse; meu irmão, queria se mudar de mala e cuia, o que meus pais não autorizaram. Eu também não queria ele perto demais da criminalidade que vejo diariamente na rua de casa.

Lógico que eu estava esse tempo todo fingindo não estar ansiosa pela ligação que receberia à meia-noite. Devo ter fingido bem, já que ninguém notou.

Vovó foi dormir mais cedo em decorrência dos remédios, e meu pai assistiu filmes na sala, ou seja, dormiu também.

Até tentei tocar um pouco, conversar com a Fabi na janela, mas nem eu, nem ela queríamos realmente fazer isso. Ela, tendo lá seus motivos, eu, porque não podia dar bandeira do que estava escondendo.

Sem sombra de dúvidas, não contaria a Fabi sobre a ligação naquele momento, devido ao plano que eu tinha traçado mentalmente, que era: atender essa ligação, avisar ao Alcaida que seria a primeira e última, ser clara sobre como não vou me prestar ao papel de entrar na fila de suas amantes e enumerar os cinco tipos de decepções diferentes que minha família teria se soubessem que ele anda me ligando na calada da noite.

Ele pode ser bonito? Pode. Atraente? Sim. Gostoso e misterioso? Também. Contudo, não é para mim. E não sou para ele, que já tem seu arem. Estou fora de traficante poderoso. Todos sabemos como essas histórias com esses caras terminam. Ele ter mulher, no fim das contas, acaba sendo a menor das complicações.

Faltando dez para meia-noite, fui me sentar no quintal dos fundos, no ar fresco sob a noite, perto das plantas sem fim da vovó e da piscina iluminada. Temos um pé de jabuticaba cultivado pelo meu avô desde bem antes de eu aprender a falar meu nome. Também temos samambaias penduradas por todo canto, uma pequena parte gramada, onde ficam as espreguiçadeiras, uma mesa de ferro com cadeiras de ferro, sob um guarda-sol enfiado no buraco central da mesa, e o que eu mais gosto: um banquinho de ardósia de jardim, que é onde me sento com uma goiaba na mão.

Uvas e goiabas são praticamente as únicas frutas que como por vontade própria. Minha avó recheia a geladeira com elas para me nutrir.

Posiciono o celular ao lado da minha perna, levando os joelhos para junto do peito enquanto foco na água parada, de brilho halogêneo, da piscina.

Assumo que cada pedaço da fruta, por pouco termina entalado em minha garganta a cada vez que passo os olhos pela tela do celular. Sou uma vadia aceitando ligação de homem comprometido tarde da noite!

Que eu não seja lá a garota mais esperta do mundo, porém estou longe de ser burra o bastante para me deixar entrar nessa fria, pelo amor de Deus.

Talvez tudo parecesse menos errado na época - no caso, dias antes - em que o Alcaida não mostrava interesse em mim. Depois dessa tarde, ficou ainda mais evidente que ele tem intenções. Provavelmente, as piores delas.

Pique Al-Qaeda Onde histórias criam vida. Descubra agora