Capítulo 10 - Não Me Encaixo

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CAMILA

Só porque ela me chamou pelo nome que eu gosto — digo a mim mesma.

— Michelle, a prima da minha mãe com quem eu morava em Paris, agia como a madre superiora de um convento. Era essa a razão de eu não sair.

Estamos tão próximas que posso sentir seu calor, mesmo sem nos tocarmos.

— Como assim?

— Você conhece Sinu, certo? Elas são opostos. Não é que Michelle não seja vaidosa como minha mãe apenas e sim, porque parece odiar a vida. Tudo é pecado. Tudo é vulgar. Saí de um colégio de freiras para a casa de uma freira, basicamente. Parece o início de uma piada ruim, mas é só a minha história.

Eu continuo me arrependendo de estar me abrindo tão logo as palavras saem, mas não são muitas as pessoas que se dão ao trabalho de me perguntar o que quero da vida ou mesmo se estou feliz, então vou culpar a carência por estar sendo amistosa com ela, quando, na verdade, merecia que eu a ignorasse.

Volto a pensar na prima da minha mãe.
Dizer que ela é uma mulher severa é um eufemismo.

Escutei a conversa dela com Sinu ao telefone na noite anterior à minha partida de Paris, onde dizia que eu estava cometendo um erro ao deixar a casa dela, pois acabaria virando uma libertina como as moças de hoje em dia.

Ela não poderia estar mais enganada. Não é liberdade sexual o que eu anseio. O que realmente quero é viver. Poder acordar tarde em um domingo e tomar café apenas ao meio-dia se me der vontade, em vez de ter que ir à missa das sete horas da manhã.

É poder ter o meu estúdio dentro de casa e me levantar no meio da noite para colocar minha criatividade no tecido ou no papel, sem alguém dizendo que devo apagar a luz.

O processo criativo não é linear. Ideias surgem quando você menos espera e às vezes, deixar de colocá-las em prática significa perdê-las.

— Você não saía em Paris?

— À noite, não. Nas poucas vezes que tentei, tive que ouvir um sermão antes. Eu não começo discussões, mas também não corro de uma quando quero provar meu ponto de vista, e essas conversas sempre me estressavam.

— Sentiu falta de sair?

— Como posso saber, se nunca experimentei? — pergunto, mas de novo lembro-me do episódio com Sebastian. Se aquilo é um bom exemplo de diversão para as pessoas da minha idade, estou definitivamente fora.

— Foi isso que veio fazer em Boston, Camila?

— Realmente, não. Quando eu estava no internato, ouvia minhas colegas contarem histórias de suas férias, namoros e coisas do gênero, mas quando finalmente estava fora do colégio de freiras, não gostei muito do que vi. Acho que mesmo que Michelle me permitisse sair sem iniciar a terceira guerra mundial a cada vez que eu tentava, não seria muito divertido. Talvez eu simplesmente não me encaixe.

É natural falar com Lauren, o que dado o início do nosso encontro hoje, não faz muito sentido. Talvez seja porque ela me trata como uma igual, não de maneira superprotetora como meu irmão sempre age.

Ela está prestando atenção a cada palavra que digo e isso faz calor brotar no meu peito.

De jeito nenhum, Camila Cabello. Não vai cair na cilada de novamente se encantar pela ogra. Lembre-se de que para ela, você é um incômodo.

Olho pela janela, dando o assunto por encerrado. A melhor coisa a fazer é manter meu plano inicial: fingir que sou invisível.

As ruas ainda estão cheias e volta e meia ela tem que parar o carro durante o engarrafamento. Quando isso acontece, a não ser que eu esteja louca, sinto que ela se vira para me olhar.

É só um palpite, porque ainda foco na paisagem fora da janela, mas o meu corpo fica quente como se eu estivesse com febre, então meio que adivinho que aqueles olhos lindos estão em mim.

— Não há nada de errado em não se encaixar — diz, me dando um susto.

— O quê?

Eu a encaro agora e seu rosto está sério.

— Você disse que não se encaixa. Em um mundo em que as pessoas têm preguiça de pensar sozinhas, preferindo seguir a maré, não se encaixar significa não fazer parte da média. Essa coisa de que a maioria tem razão, é uma desculpa que se arruma para não ser o ponto discordante. Pensar dá trabalho. Analisar cada coisa sem se deixar influenciar pela mídia, redes sociais, também. Dizer sim para tudo é o melhor caminho para uma vida medíocre.

Eu fico chocada. Ela falou mais comigo nessas últimas sentenças do que desde que nos vimos da primeira vez.

— Eu não sigo o fluxo, se é isso o que está dizendo, caso contrário, seria a garota mais popular do mundo. Tenho todas as ferramentas para isso. Sou jovem, de boa aparência e rica. Ainda assim...

Eu deixo a frase morrer porque ia dizer: ainda assim, sou solitária.

Mas eu não quero me mostrar tanto. Ela nem gosta de mim. Para que confessar o que me machuca?

— Ainda assim, o quê?

— Nada. Se não se importa, vou cochilar até chegarmos em casa.

Eu não espero resposta. Encosto a cabeça na porta e fecho os olhos, mesmo sabendo que não há a menor chance de que eu vá conseguir pegar no sono com ela ao meu lado.

CAMREN: Confiar Outra Vez (G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora