Capítulo 40 - Me Abrir Um Pouco

3.7K 397 24
                                    

E veio o 40, Hein?! Mais 10 capítulos hoje...

Apreciem!

LAUREN

Não precisa fazer isso — uma voz avisa. — Para que envolvê-la se o que têm não vai durar?

Seria uma excelente razão para não deixar Camila a par do que fazemos em nossa empresa, principalmente em relação às crianças que têm ligação direta com o meu passado, mas nesse instante, eu não posso lhe negar ao menos parte da verdade.

— Não vou te contar sobre meu trabalho e isso não tem nada a ver com considerá-la uma criança, é para sua proteção.

— O que estamos fazendo aqui, então? — pergunta, parecendo chateada novamente.

Eu a trouxe de volta para a cozinha porque o quarto não é um bom lugar para ter as lembranças que a conversa me trará.

— Não é negociável, Camila. Vou te contar o que fui fazer na última viagem e que tem ligação direta com o meu passado, mas não sobre tudo o que eu e Ethan fazemos.

Ela contrai os lábios e sei que quer protestar, mas apenas acena com a cabeça.

— Tudo bem.

Eu lhe sirvo café e coloco a omelete que preparei à sua frente. Pego outra caneca para mim também, mas só isso, porque não serei capaz de comer.

— Para falar sobre a viagem que fiz por esses dias e também porque fui direto para o chuveiro ontem, tenho que te contar sobre o meu passado.

Ela acena com a cabeça, os dedos delicados em volta da caneca de café apertando-a com força.

— Antes, me responda uma coisa: já pensou que talvez não esteja pronta para saber tudo sobre mim?

— Não sou frágil. Não me subestime, Lauren. Fui criada por Sinu. Ninguém sobrevive a ela se não tiver força interior.

— Eu nunca disse que era frágil, mas isso não significa que tenha que ver o lado podre do mundo.

— Lado podre?

Resolvo revelar parte da verdade.

— Eu sou adotada — começo devagar. — Meus pais, os últimos, foram a minha quinta ou sexta família — falo casualmente, tentando demonstrar que o fato de ser rejeitada tantas vezes não teve importância.

Ela pega a minha mão por cima da mesa e se fosse qualquer pessoa, eu retiraria a minha porque não aceito piedade de quem quer que seja, mas seu rosto não demonstra nada além do que compreensão, então, eu não me movo.

— Li sobre isso uma vez: pessoas que adotam crianças, se arrependem e as devolvem. É tão horrível que nem sei o que dizer. Acho que a decisão de trazer para casa alguém que não é seu filho biológico é muito séria. Não pode ser tomada de maneira leviana. Não consigo nem imaginar o que deve ter significado para você ser devolvida.

— Nas últimas, eu já não dava nada como certo. Já contava com aquilo — falo, tentando revelar o mínimo possível.

— Imagino que sim, mas se quer saber de algo — diz, brincando com a alça da caneca —, eu acredito que algumas pessoas não nasceram para serem pais e insistem nisso.

— Do que está falando?

— Eu sou filha natural, mas esse fato não me protegeu de uma vida sem amor. —Surpreende-me, contrapondo.

Eu já imaginava que Camila havia sido negligenciada durante o crescimento. Não pelo que Ethan me contou e sim, muito mais pelas pistas que tem me revelado desde que passamos a conviver.

— Nem mesmo quando seu pai era vivo?

Ela sacode a cabeça, negando.

— Não. As lembranças que tenho é de que ele e Sinu quase não paravam em casa e quando estavam, não era ao mesmo tempo. Não que isso fizesse alguma diferença. Eu sempre fui invisível para ambos. — Ela soa conformada, como se ser deixada de lado fosse normal. — Não estou me fazendo de vítima, mas Ethan é toda a fonte de amor que tive. Eu esperava ansiosa pelas férias, mas conforme ele foi crescendo, suas estadas em casa tornaram-se escassas.

Ela toma um gole de café.

— Seus últimos pais, fale-me deles — pede, tirando o foco de si.

Percebo a manobra, mas não desvio dela, porque prometi lhe entregar algo, ao menos uma parte minha.

Busco as lembranças dentro de mim.

— Mamãe era o oposto de Sinu de tantas maneiras quanto duas pessoas possam ser. Ela não dava a mínima para a aparência e lembro que sempre usava vestidos leves e floridos. Também geralmente tinha uma mecha colorida nos cabelos. Acho que eles eram um pouco hippies.

E de repente, abrir essa porta faz meu peito apertar de saudade.

Não costumo deixar as memórias emergirem porque sou, antes de tudo, uma mulher prática.

Não tenho como trazê-los de volta, então que sentido faria cultivar uma falta que nunca poderá ser suprida?

Camila, no entanto, parece ter se tornado uma especialista em me ensinar a sentir novamente.

— Ela era ilustradora de livros infantis e adorava passar tempo comigo. Tinha uma paciência infinita. No começo, quando me levaram para a casa deles, eu não queria falar — continuo, sem explicar as circunstâncias da adoção —, mas ela nunca forçou e aos poucos fui me sentindo segura para relaxar. Apesar de sua generosidade, no entanto, jamais consegui me doar como ela merecia.

— Como assim?

— Ela nasceu para ser mãe, mas foi incapaz de ter os próprios filhos. Uma vez eu estava muito chateada e disse isso. Eu queria machucá-la, fazê-la confessar que não me amava realmente e que me pegou porque não teve alternativa, mas tudo o que fez foi falar que era a pessoa mais sortuda do mundo porque pôde escolher sua garotinha. Eu fiquei muito envergonhada naquele dia. — A lembrança de como reiteradamente reneguei seu amor me faz doente. — Só no final consegui começar a entender o que eles estavam me oferecendo, mas eu não sabia quão pouco tempo ainda me restava com os dois.

Ela assente, atenta e posso ver que está tentando formar uma imagem mental da minha mãe.

— E seu pai?

— Ele era o que se pode chamar de geek. Fundou na garagem de casa, com quatro amigos da faculdade, uma empresa de tecnologia. Eles foram os pioneiros naquela área e rapidamente transformaram-se em jovens ricos. — Recordo, ainda sentindo como se não merecesse tudo o que herdei. — Meus pais morreram em um acidente de carro em um dia chuvoso. Ninguém para culpar além do mau tempo e falta de visibilidade. Quando faleceram, a empresa valia milhões.

— Quantos anos você tinha quando eles morreram?

— Treze e meio. Meu tutor me enviou para o mesmo colégio de Ethan e o resto da história você já conhece.

— Sim, conheço por alto, porque meu irmão também não é a pessoa mais aberta do mundo. Disse-me que sua viagem, essa última que fez, tem relação com a sua história. Como é possível?

Sinto minha mandíbula endurecer enquanto uma voz me avisa:

Afaste-se. Não há a menor chance disso acabar bem.

Ela não é para você.

Por que inserir esse anjo em seu mundo de escuridão?

Mas eu sei que se me calar agora, a magoarei, então, resolvo arriscar.

— Uma das famílias que me adotou, na verdade, a última antes dos meus pais definitivos... Eles não eram boas pessoas.

Vejo horror no rosto dela. Camila é jovem, mas inteligente e pressente haver algo de errado por trás de minhas palavras.

— Não sei se estou entendendo.

— Alguns diriam que aquilo não foi de fato uma adoção, e sim, um sequestro.

CAMREN: Confiar Outra Vez (G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora