Capítulo 6 - Hoje é o Dia

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LAUREN

Encosto a testa na parede do box, mas nem mesmo a água gelada é capaz de acalmar meu ódio.

As lembranças são como um veneno entranhado em cada célula do corpo.

Desligo o chuveiro sabendo que não há a menor chance de que eu vá dormir outra vez, então depois de me trocar rapidamente e preparar uma caneca de café, sigo para a biblioteca do nosso apartamento para trabalhar.

Hoje é o dia em que Camila chegará em Boston e decidi fazer home office, porque em algum momento terei que sair para buscá-la no aeroporto.

Eu poderia ter designado um dos seguranças da nossa empresa, mas nunca tomo uma responsabilidade pela metade. A partir do momento em que Ethan me pediu para cuidar dela, Camila se tornou minha para proteger.

Meia hora depois, olho para o notebook, sem conseguir me concentrar. A promessa que fiz ao meu amigo de vigiar a irmã dele a toda hora se intrometendo em meus pensamentos.

Apesar do esforço para tentar me convencer de que a chegada de Camila não fará a menor diferença, a ideia de tê-la aqui por um mês está fodendo com a minha cabeça.

Sou uma mulher pragmática, tenho compartimentos mentais nos quais divido minha vida e a irmã dele não se encaixa em qualquer um, mesmo que seja por um mês.

Camila, a menina certinha e que cresceu dentro de uma bolha de proteção, não tem nada a ver comigo. Inexplicavelmente, no entanto, ela conseguiu chamar minha atenção naquele Natal sem que eu estivesse procurando por sexo, o que é uma novidade.

Não me envolvo com mulheres fora de um contexto físico, onde ambas saibamos o que estamos procurando e exatamente o que obteremos. Sem falsas expectativas ou esperança de um algo mais.

Eu não tenho interesse em relacionamentos.
Não me vejo sendo capaz de manter um.

Posso não ter tido qualquer conexão afetiva ao longo da vida, mas sei que confiança é fundamental para uma caminhada a dois e não acho que eu consiga confiar em uma mulher.

Aliás, em qualquer pessoa.

Ethan e Blood são as únicas exceções. Além deles, apenas meus pais adotivos — os últimos —, que me salvaram de mais de uma maneira.

Eles estão mortos, o que faz com que meu círculo de amizade seja mínimo.

Por que diabos Camila não sai da minha mente, então?

Porque o que você quer com ela não tem nada a ver com amizade ou confiança — meu subconsciente diz.

Eu deveria estar concentrada em minha missão, não pensando na irmãzinha do meu melhor amigo. Uma garota proibida e completamente fora dos limites.

Camila, mesmo que não tivesse qualquer parentesco com Ethan, é do tipo que quer romance e eu não tenho tempo e nem vontade de entrar em uma relação assim.

Eu vivo em função da minha vingança. Para varrer da face da Terra aqueles que destruíram tantas crianças. Eles quase fizeram o mesmo comigo.

Fui apenas uma felizarda que deu sorte de encontrar duas pessoas que nasceram para serem pais e mesmo que não tenham conseguido remendar todas as minhas partes estragadas, eles ao menos me amaram o bastante para trazerem minha sanidade de volta.

Quando iniciei a caçada por Jonathan e Maria, eu tinha a convicção de que assim que os punisse pelo que me fizeram, poderia finalmente deixar o passado para trás.

Duas coisas estavam equivocadas com esse pensamento: a primeira, é que não há como esquecer o passado. Quanto mais cavo a vida dos dois bastardos, mais ódio brota dentro de mim.

A segunda, é que ir atrás deles foi como abrir a caixa de Pandora.

Descobrir que o que aconteceu comigo foi só a ponta do iceberg me fez perder qualquer fé nos seres humanos.

O mundo é podre, assim como boa parte das pessoas que vivem nele e agora eu sei que se não tivesse fugido, provavelmente estaria morta.

Depois que minha última mãe me socorreu, a casa em que me mantinham cativo foi invadida por policiais, mas de alguma forma, Jonathan e a mulher conseguiram fugir.

Somente anos mais tarde, já adulta, quando decidi que precisava ir atrás deles para obter vingança, descobri que minha vida havia sido um paraíso perto do que acontecia nos outros cômodos.

Adolescentes e crianças eram trancafiados, abusados e então, depois de um tempo, subitamente desapareciam.

Quando a polícia chegou, havia pelo menos um deles acorrentado em cada quarto.

Levou anos até que eu pudesse rastrear os dois protagonistas dos meus pesadelos e quando o fiz, o que descobri me deu a certeza de que eu precisava dar um fim naquilo.

Tráfico de crianças é o negócio deles. Algo muito maior do que jamais supus.

Eles são uma organização poderosa de pedófilos que envolve políticos, celebridades e policiais.

A escória da humanidade.

Repito a cada dia que sou dona de mim mesma e que o que eles fizeram não me marcou, mas os pesadelos me mostram que eu ainda não superei porra nenhuma.

Eu não tenho empatia ou pena dos outros. Não sinto vontade de criar laços. Ethan entrou na minha vida por força das circunstâncias — estudamos no mesmo internato —, caso contrário, eu teria continuado sendo uma solitária para sempre.

Eles me modificaram. Apagaram minha capacidade de sentir.

Não é esse o motivo que me faz caçá-los, no entanto. É a certeza de que enquanto estiverem soltos, não terei paz.

Eu não gosto de quem eu era quando criança e nem de quem sou agora.

Aprendi o quão longe sou capaz de ir se o que está em jogo é a minha vida e isso me faz tão monstro quanto eles.

— Senhora Lauren, quer que prepare alguma coisa especial para a menina Camila? — nossa empregada pergunta, da porta da biblioteca e eu não faço a menor ideia do que responder.

— Eu não sei, Ula. Assim que ela chegar, providencie qualquer coisa que precise.

— Preparei o quarto entre o seu e o do senhor Ethan porque os desse lado têm a vista mais bonita. Ela deve estar com saudade de casa — diz, acho que se referindo aos Estados Unidos.

Aceno com a cabeça, concordando e depois faço algo que não é comum para mim: dou continuação à conversa.

— Você a conheceu antes de que fosse para o colégio interno?

— Sim. Trabalhei na casa de dona Sinuhe a minha vida inteira. Quando o senhor Ethan voltou do internato e foi cursar faculdade... quando vocês dois foram, na verdade, não é?

— Aham.

Ela continua:

— Pois então. Eu quis sair da casa da mãe e trabalhar para ele, mas o senhor Ethan me pediu que ficasse por causa da menina Camila. Ele queria alguém de confiança vigiando a irmã de perto, mesmo quando ela foi para o internato e voltava apenas nas férias. Só depois que ela se mudou para Paris, que ele me chamou para trabalhar aqui, como a senhora já sabe.

Ela parece constrangida, como se tivesse falado demais.

— E como ela era quando pequena?

— Calada perto da mãe. Tagarela conosco. A senhora Sinuhe vivia corrigindo tudo nela — seu rosto se contrai em uma expressão de desgosto —, postura, cabelo, roupa. Nada estava bom o bastante. E principalmente, ela criticava a menina quando ela agia com espontaneidade. Do que eu me lembro, no fim, Camila não conversava mais com qualquer um dentro da casa. Vivia à volta com livros, ou então com um kit de costura. Acho que ela aprendeu a se bastar sozinha.

CAMREN: Confiar Outra Vez (G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora