01 One.

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Eu estava na esquina da casa dos meus avós, em Los Angeles, quando o Uber parou. Paguei rapidamente e, com uma mistura de expectativa e saudade, apertei a campainha. O sol da tarde se filtrava pelas palmeiras, trazendo aquela sensação única da Califórnia.

Tinha acabado de sair da aula de reforço de matemática. Não que eu não soubesse o conteúdo, mas a verdade era que sempre acreditei que poderia melhorar ainda mais. A educação era uma prioridade para mim, e eu sabia que, em Los Angeles, as oportunidades estavam ao meu alcance, desde que eu me esforçasse.

Quando vi Dona Aurora, minha avó de 82 anos, um grande sorriso iluminou meu rosto. Ela estava com seu vestido florido azul, que parecia capturar a essência do verão californiano, e vinha carregando a chave do portão.

— Oh, Lia! — ela exclamou ao me ver, abrindo o portão com um entusiasmo que apenas ela poderia transmitir.

Entrei, esperando que ela fechasse bem o portão antes de dar um caloroso abraço, preenchendo o ar com beijos carinhosos que ela sempre adorava receber.

— Estou terminando o bolo, você chegou na hora certa! — disse, enquanto entrávamos na ampla casa verde, marcada por memórias e risadas.

Passamos pela porta preta de vidro e pela sala, até a cozinha, onde o aroma do bolo de chocolate me fez sentir em casa.

— Eu estava na aula de reforço e resolvi passar por aqui, já que tinha dinheiro para um Uber — expliquei.

Ela se inclinou para pegar a tigela do bolo, mas eu a interrompi, decidindo assumir essa tarefa.

— A senhora precisa descansar, Dona Aurora. Se eu estou aqui, pode pedir qualquer coisa.

— Não gosto de ficar parada! — Ela retirou o pano do ombro e se sentou à mesa, uma verdadeira força da natureza.

— Sente-se — ela me mandou, e eu obedeci, pegando um pedaço do seu famoso bolo.

— Senti falta desse bolo — declarei, e ela sorriu, orgulhosa de sua habilidade na cozinha.

— O vovô está acordado? — perguntei, enquanto devorava o bolo.

Ela assentiu, e eu me levantei para lavar as mãos na pia. O pensamento de ver meu avô, Antony, me trouxe uma sensação de alegria e um pouco de preocupação. Ele estava sempre mais frágil, e eu sabia que, por trás do sorriso, havia dias difíceis.

— Vou lá ver ele. Não posso demorar muito — avisei.

— Vá lá, ele sente sua falta.

Antony também tinha 82 anos, e o tempo não tinha sido gentil com sua saúde. Ele sempre dizia que a vida era feita de ciclos, e agora ele estava vivendo um ciclo em que sua memória se tornava um labirinto confuso.

Ao entrar no quarto dele, logo me deparei com a televisão no volume máximo. Ele tinha problemas de audição, então a TV sempre estava alta, como se quisesse que o mundo inteiro o ouvisse. Liguei a luz e sorri.

— Surpresa!

Ele abriu um sorriso banguela e levantou os braços.

— Minha filha!

Sentei-me ao seu lado na cama e o abracei, sentindo o calor de sua presença.

— Como o senhor está? Melhor?

— Como sempre, durmo, peido e cago — ele disse com um sorriso brincalhão.

— Já contei a história de como pedi sua avó em namoro? — ele perguntou, com a mesma empolgação de sempre.

Neguei com a cabeça. Sabia que ele já tinha contado, mas não queria interromper seu entusiasmo. O Alzheimer tirava muitas lembranças dele, mas aquelas histórias eram um fio que o ligava ao passado.

Gortoz a RanOnde histórias criam vida. Descubra agora