10 Ten.

3.2K 316 23
                                    

Hoje vai fazer 2 meses que estou presa dentro dessa escola, cercada apenas por Hannah e um grupo de garotos, sem acesso a nenhum tipo de internet, somente as vezes. A sensação de estar isolada é sufocante, como se eu estivesse em uma prisão sem grades. Nenhuma escola militar é igual a essa — por que ela tem que ser diferente? A cada dia que passa, sinto que estou perdendo um pouco mais de mim mesma, e essa rotina exaustiva só contribui para a sensação de desespero.

Já havia tido inúmeras instruções. Primeiros socorros, como montar uma padiola, ESAON, AVOT, CAL, infiltração, S.B.V, S.A.V, rabdomiólise... Uma lista interminável de coisas que eu tinha que aprender e memorizar. Entre cada instrução, a sensação de cansaço se acumulava como um peso sobre meus ombros. Eu estava esgotada, tanto fisicamente quanto emocionalmente.

No turno, haviam passado 20 pessoas para ficar no pelotão, mas 5 desistiram e 3 foram desligadas. Agora, restavam apenas 12. Cada um deles trazia suas próprias histórias, suas próprias lutas, mas eu não conseguia me conectar com ninguém. A solidão era palpável e, mesmo cercada por pessoas, me sentia mais sozinha do que nunca.

Desde o dia em que bati de frente com Gracy no quarto, ele nunca mais falou comigo, mas não deixou de me atormentar. Como seria esse "muito"? Ele me fez recitar toda a oração do pelotão 50 vezes, e se eu pensava demais ou gaguejava, ele espirrava spray de pimenta na minha garganta, uma tortura que parecia não ter fim. Isso ocorreu hoje, e a lembrança da ardência ainda queimava na minha mente.

Um mês atrás, logo depois de acordar no dia seguinte ao incidente do refeitório, ele me fez ficar na posição de flexão, segurando duas pedras na mão por causa das minhas cicatrizes. O resto do dia foi uma tortura, repleta de polichinelos enquanto ele proferia insultos que eu já esperava ouvir. “Ela é uma baixaria”, “Fala, mas não faz”, entre outras coisas que me machucavam mais do que qualquer exercício físico.

Isso está fora do normal. Adentrei a escola, minha garganta estava horrível. Ele havia usado o spray umas cinco vezes, e não era que eu não soubesse a oração, mas a ardência tornava insuportável falar. O spray de pimenta continha óleo e grudava na garganta, dificultando ainda mais a respiração. O efeito durava mais de 2 horas, e eu mal conseguia beber água. Meu rosto ardia, e a falta de ar era desesperadora.

Não conseguia manter os olhos abertos por muito tempo, tudo à minha volta parecia um borrão. Eu não sabia exatamente onde estava, além de ter conseguido abrir os olhos apenas para ver a entrada da escola.

— Lia! Deixa eu ajudar você.

A voz que me chamou era familiar; só uma pessoa me chamava assim. Era Luke. Uma onda de raiva, dor e vontade de chorar me invadiu ao mesmo tempo. Senti Luke segurar meu braço e tentar me guiar, mas fiz força para me soltar.

— Sai daqui, porra! — falei, com a garganta rouca e cheia de dificuldade.

— Sua voz está horrível.

Engoli a saliva, e a ardência aumentou. Spray de pimenta fazia salivar.

— Por que será? — respondi, com sarcasmo, tentando esconder o quão mal eu me sentia.

— Lia, não foi nossa intenção!

Escutei ele exclamar ao meu lado, mas a raiva me consumia.

Parei de andar e baixei a cabeça, lembrando da verdadeira história que levou a essa situação. O Tenente Gracy ouviu um dos garotos insultá-lo por causa do tempo que já estávamos fazendo flexões, mas ninguém se identificou quando ele perguntou. Ele disse que tudo ficaria bem se a pessoa se acusasse, mas ninguém se manifestou. Então, ele me ordenou que me levantasse e recitasse uma oração. Antes de borrifar o spray, ele fez a pergunta novamente, mas ninguém se acusou. E eu fui a única a sofrer as consequências.

Gortoz a RanOnde histórias criam vida. Descubra agora