Prólogo

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O som de chamas crepitando. Gritos ecoando. Passos desesperados e arritmicos. O cheiro de sangue, morte e enxofre no ar. Ela sabia que a culpa era sua.

Safira balançava o bebê em seus braços para que não chorasse e fizesse barulho enquanto se escondia naquela torre de vigia. O vigia em cima dela havia sido morto pelos monstros que invadiram Torinco de seu mundo de trevas e caos. Normalmente, os monstros de todos os tipos não teriam permissão para invadir aquela cidade. As cidades-estado tinham barreiras protetoras que os impediam de atravessar de seu mundo obscuro para o mundo humano. Mas ela havia sido culpada por permitir isso.

A realidade é que ela não precisava temer que aquele bebê chorasse, ela nunca choraria. Aquela marca em forma de losango em sua testa lhe dizia isso, e aquilo doía em seu coração, pois era a prova viva de seu pecado. Lágrimas escorreram dos olhos de Safira, enquanto aquele bebê inofensivo a encarava, brincando com suas longas tranças.

Aquela criança possuía a pele negra como a sua, suas lágrimas caíam sobre seu pequeno rosto. Era sua filha, e quando ela fosse novamente encontrada pelo governo da capital, caso Torinco de fato sobrevivesse àquela invasão, eles veriam a marca em sua testa e a matariam.

Mesmo que Safira reconhecesse o tamanho de seus pecados e o quanto merecia a morte, ela sabia que sua filha não tinha culpa disso. Ela amava aquela criança mais que tudo nesse mundo. E por mais que fosse indigna de fazer qualquer pedido, ela colocou a bebê, ainda enrolada num pano, no chão um pouco longe dela, ajoelhou-se e encostou a testa no pó, iniciando um clamor sussurrante, porém desesperado:

— Grande Oleiro. Soberano sobre o qual ouvi. Eu me ponho em meu lugar, me recolho em minha indignidade, e admito meu pecado de traição. Admito que traí minha raça, e que sou a mais indigna dentre as mulheres. E reconheço que o sangue que corre nas veias dessa criança, tal como o sangue derramado lá fora, são consequência do que fiz. — Suas lágrimas continuavam a escorrer. — Eu não vou pedir pela minha vida, mas preciso pedir que a Brooke não seja punida por crimes que não são seus. Por favor, não permita que ela seja um ser amaldiçoado, não permita que ela seja morta por isso e nem que cresça dessa maneira. Eu só peço que ela seja melhor do que eu, só peço que ela possa escolher, que permita ela crescer como uma boa garota, que ela seja humana, e seja uma humana melhor que eu. — Ela levantou a cabeça, olhando para cima, mais lágrimas escorriam. — Eu não sei se está me ouvindo, mas peço por favor que seja quem você for, sustente a minha menina. Sei que essa cidade ignorante não saberá amá-la mesmo que seja humana, e eu só peço que ela tenha escolha. — Ela fechou os olhos, seu peito subia e descia com a respiração ofegante. — Eu clamo tua misericórdia e entrego a Brooke em suas mãos, Grande Oleiro.

Safira arfou buscando ar para respirar, seu coração batia descompassado, ela pegou Brooke novamente no colo, vendo aquela bebê que a encarava com curiosidade. Olhou-a se perguntando se sua oração havia sido ouvida, e dando um beijo na testa da bebê.

— Filha, eu vou morrer. Disso eu não tenho dúvidas. Mas sabe por que seu nome é Brooke? Porque você fluirá como um rio, independentemente do quão revoltante for o contexto em sua volta, você verá a opção de continuar fluindo na direção certa. Você será melhor do que eu fui. — Ela fechou os olhos, sentindo as lágrimas caírem mais e mais.

Porém, por reflexo levantou a cabeça e olhou para o alto, e algo quebrou o teto sobre sua cabeça. Ela olhou para cima e por instinto protegeu a filha contra o peito, porém arqueou ambas as sobrancelhas ao perceber que era uma flecha de fogo, que havia parado no ar na mesma posição em que estava descendo. Safira franziu o cenho, encarando-a com o rosto confuso, e arregalou os olhos ao assimilar o que era.

“Você pediu a minha ajuda. A Brooke é minha, Safira” Ouviu uma voz potente como o som de trovões estrondosos falar, e seu aperto com Brooke afrouxou, seu rosto relaxou de incredulidade.

— Você me ouviu… — Constatou desacreditada, mais lágrimas inevitavelmente rolaram por seu rosto. — Sendo tão indigna… você me ouviu.

A voz nada mais disse, Safira ajeitou a própria postura, de maneira que já não mais escondia Brooke da flecha. A flecha então desceu suavemente sobre o corpo da recém-nascida e se desfez em centelhas douradas que cobriram o corpo da pequena. Safira observava tudo com os olhos espantados, e quando as centelhas douradas enfim se dissiparam, a marca na testa de Brooke sumiu. Safira arregalou os olhos, e teve um sobressalto quando de repente a bebê começou a chorar.

Safira balançou-a no colo para que não fizesse barulho, por mais que lhe preocupasse o fato de que o barulho poderia dedurá-la, ela não podia negar sua felicidade.

O choro era a constatação. Brooke era humana.

Prólogo finalizado, me digam o que acharam :)

Herdeira de Sangue e Fogo [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora