Capítulo 33: A reunião

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Assim que um vidente bem vestido em trajes sociais cuja careca refletia o brilho das lâmpadas do teto se posicionou no meio segurando uma bengala, o piso desse pequeno círculo se elevou numa plataforma ligeiramente mais alta. Eu franzi o cenho, ficando inicialmente confusa, entretanto, logo raciocinei que assim as pessoas de trás poderiam ver melhor.

O homem bem vestido havia falado ligeiramente com Cassandra antes da reunião começar. E agora ele, com um microfone na mão, iniciava a reunião.

— Com toda solenidade, iniciamos nossa reunião. Aos que nos visitam, irei me apresentar: sou o vidente Orfeu Anilora, peço que se sintam à vontade em nosso meio, e que o Oleiro se revele a vocês. — Ele falava com um sorriso. Parecia com a forma como Cassandra falava sobre o Oleiro. — Peço que fechem seus olhos e me acompanhem na meditação.

O vidente Orfeu fez a primeira meditação ao Oleiro, agradecendo pela realização daquela reunião e pedindo que ele cuidasse das vidas de todos ali. Eu repetia em minha mente cada uma de suas palavras. Nunca imaginei ver tantas pessoas meditando com o Oleiro ao mesmo tempo, e tal como em todas as vezes que cumpri esse rito até aqui, eu me senti bem.

O vidente Orfeu desceu da plataforma e percebi uma agitação abaixo. Várias jovens vestidas em roupas brancas pareciam levitar conforme eram elevadas por campos de força até o topo da plataforma. Meus olhos se iluminaram conforme aquelas garotas se deslocavam no alto. Elas se agruparam numa formação de dança, e nos arredores abaixo da plataforma, se revelavam um jovem com o que parecia uma flauta doce em suas mãos e um com um violino.

As garotas se agruparam seguindo a mesma forma circular de todo o templo, e no meio delas, eu não devo ter percebido quando subiu uma moça mais velha também de branco, com longos cabelos num tom alaranjado, e uma pele ligeiramente mais clara, mas ainda morena.

Senti alguém me cutucar, olhei para o lado e Jetro havia passado o braço por cima de Cassandra para chamar minha atenção.

— Aquela ali no meio é minha esposa, Betsaba. — Falou. — Ela lidera o departamento da arte.

Eu arqueei ambas as sobrancelhas.

— Uau. Que interessante. — Falei, voltando a mirar a apresentação sobre a qual havia tanta expectativa.

A flauta doce e o violoncelo preencheram o ambiente com seu belo som, ao passo que as garotas sobre a plataforma começaram a se mover de forma sincronizada, delicada e harmônica. Elas personificavam, no alto daquela plataforma, um ideal de graça e beleza, e enquanto elas seguiam a melodia, Betsaba no meio da roda se pronunciava no microfone:

— Desde o princípio, sempre existiu o Oleiro. Ele formou o barro, e formou do barro tudo que há. À nossa raça, deu o fôlego da vida, o fôlego que usamos para homenageá-lo com todas as forças. — A voz da Betsaba era calma e ao mesmo tempo pesada, doce e firme. — Com nossas vozes, com nossos corpos, com nossos atos, com nossas vidas. Ele nos deu a vida, ele recolherá nossas vidas, e toda nossa vivência é dedicada a Ele. — Ela comentou. Conforme ela falava, a dança das moças mudava, como se elas interpretassem em seus doces movimentos, cada uma de suas falas. Eu não conseguia tirar os olhos, meu coração estava fascinado por aquele belo espetáculo, e pelas verdades que me inundavam.

Você também adoraria dançar, não é? Algo se remexeu dentro de mim, mas eu me contive em meu lugar. Por mais que eu pudesse imaginar o fogo bruxuleando em volta de mim, como na cerimônia do Asas Iluminadas, e mesmo meu braço de ferro se movendo da forma mais bela possível.

— O Oleiro é a perfeição. — Ela continuava a dizer, a dança continuava, a flauta doce e o violoncelo embalavam os movimentos. — Ele é o amor, a soberania, a justiça, e mantém tudo em seu devido lugar. Ele é a inteligência solene demais para que nossas mentes limitadas entendam. Ele é maior que o tempo, o espaço, a vida e suas nuances. Ele é quem nos conduz pelo caminho da luz e da paz, por mais que não sejamos capazes de entender.

Herdeira de Sangue e Fogo [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora