Eu sabia que não deveria ter falado com ele. Ao mesmo tempo, a apatia em mim se fazia tão grande que eu não me sentia culpada. Eu não havia feito aquilo por mal, e não havia prometido nada. Eu não havia comprometido a minha humanidade, só ouvi um pouco do que meu pai tinha a dizer. Verdadeiramente, qual era o problema em ouví-lo falar?
Apesar disso, algo havia se revirado em mim. Eu não só havia ouvido-o, como feito perguntas. Eu sabia exatamente o que fazer caso quisesse seguí-lo, e agora tinha em minhas mãos a escolha de continuar como estou, ou seguir um caminho que me faria renunciar a metade humana em mim.
Agora eu me arrumava para ir encontrar a vidente Cassandra. Já estava atrasada, havia acordado mais tarde do que deveria. Apesar disso, me arrumava lentamente. Eu não sabia como encará-la depois do meu encontro com seu pior inimigo, fiquei com medo de aquilo ter sido revelado a ela. Seu título de vidente não era átoa.
Será que o fogo se extinguiria totalmente se eu pisasse em Laocideia? Se eu aceitasse o fato de que sou uma rainha?
Aceitar? Fato? Era estranho pensar que estava aceitando a ideia como verdade, depois de ter recusado o Abismo e lutado contra Dazai e Lisa. No entanto, ela parecia mais palpável do que a ideia de que o Oleiro se importava verdadeiramente comigo, e de que algum dia meu sangue me deixaria em paz.
Apesar disso, algo em mim se remexia em alerta. Nada parecia certo. Minha mente parecia um turbilhão no qual eu estava perdida, com milhões de vozes se sobrepondo, sem que eu possa distinguir dentre elas, qual me dizia a verdade.
E em meio a isso, eu me olhei no espelho. Encarei meu rosto com olheiras, com os músculos relaxados, sem expressão. Meus olhos pareciam vazios. Quando sorri, percebi que os cantos dos meus olhos não acompanhavam meus lábios.
Por mais dolorosa que fosse minha vida, eu sempre consegui achar motivos para sorrir. Nas histórias, nas músicas, nas danças, nos sucessos na academia, nas vezes em que era melhor que Trevor em algo, nas promoções do mercadinho que me permitiam comer coisas mais gostosas. Mas agora, eu não conseguia pensar em motivo algum. Eu parecia uma casca vazia.
Eu engoli em seco, e trajando uma camiseta larga com a minha calça cargo do Asas Iluminadas e um casaco com capuz, eu saí do meu quarto, me encaminhando para fora da mansão.
— Brooke. — Meu nome ecoou na sala, eu suspirei profundamente, não me atrevendo a olhar para trás.
— O quê? — Indaguei.
— Vai encontrar a vidente Cassandra? — Trevor inquiriu.
— Isso não te diz respeito. — Fui fria em minha resposta.
— Estou falando sério. Vai vê-la? — Ralhou.
— Eu vou. É uma das condições do conselho para que eu possa viver, eu preciso obedecer. — Suspirei profundamente, sentindo meu sangue correr mais rápido, com a raiva a flor da pele.
Ouvi um estalar de sua língua.
— Certo. Era tudo que eu precisava saber. — Os passos foram se distanciando. Ele subia as escadas. Eu revirei os olhos e continuei meu caminho.
Tracei meu caminho até a casa de Cassandra. Eu andava rápido, meu sangue pulsava com a raiva e o estresse. Trevor sempre me despertou sentimentos de raiva e ilogicidade. Dentre todas as pessoas que sempre me odiaram sem eu saber o porquê, Trevor era o que mais me intrigava e mais me fazia sentir injustiça. E agora, isso era potencializado pelo fato de ele ser meu marido.
Brooke, irá sofrer enquanto tentar se encaixar entre eles. É como Growin disse, você é uma peça quebrada da humanidade. Não faz sentido tentar se encaixar enquanto é obviamente superior.
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Herdeira de Sangue e Fogo [COMPLETO]
FantasyLivro 01 da trilogia "A Ordem do Oleiro" Dedico essa história a todos aqueles que se cansaram da hipocrisia e desejam a virtude acima das adversidades. "A criança que não é acolhida pela vila, vai queimá-la para sentir seu calor." Brooke seguiria e...