Capítulo 30: Jantar atípico

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Falar com o Oleiro sobre tudo que eu precisava era algo que nunca imaginei que pudesse acalmar a agonia da minha alma.

Me debulhar sobre alguém que nunca vi e dizer absolutamente tudo, abrir minha alma dessa maneira, me fez crer que tais problemas poderiam nem ser tão grandes assim, que eu conseguiria, de alguma forma, atravessar tudo isso com sanidade.

De fato, a ideia de ter o Oleiro por perto era uma ideia de paz. Porém quando vi Trevor parado à porta, tive medo de que essa paz fosse embora, mantive minha postura novamente comum, deixei de estar de joelhos sobre minha cama. Entretanto, a expressão de Trevor estava suave, de forma que eu não esperava quando ele me chamou para ajudar com o jantar. De alguma forma, suas palavras e ações soavam como um pedido de desculpas em sua própria linguagem.

Acompanhei-o até a cozinha e inquiri:

— Por onde eu começo?

Trevor pegava os ingredientes dentro da geladeira e dos armários, colocando-os sobre a bancada de mármore preto à nossa frente.

— Vou descascar as batatas. — Trevor falou, pegando duas batatas consideravelmente grandes da sacola transparente. — Enquanto isso, pode ralar o queijo? — Inquiriu.

Eu assenti, buscando no armário uma tigela de vidro para colocar o queijo ralado, e encontrei o ralador manual numa gaveta. Peguei o pedaço de queijo e comecei a ralá-lo sobre o pote em pequenas tiras, com as mãos um tanto quanto imprecisas.

— Fica mais fácil se apoiar o ralador numa tábua e passar o queijo nele. Depois jogue tudo no pote se preferir. — Trevor me instruiu, enquanto descascava as batatas como um verdadeiro chef de cozinha. Eu assenti e tal como ele disse, peguei uma tábua de carne para apoiar. De fato, minha precisão foi melhor assim.

— Como aprendeu a cozinhar assim? — Inquiri, enquanto o via terminar de descascar a primeira batata e já começar a segunda, e eu mal estava perto de terminar o queijo.

Trevor deu de ombros, seus olhos se mantinham concentrados em sua tarefa.

— Se eu não cozinhasse na infância, eu morreria de fome. — Eu arregalei os olhos, desacreditada. — Era a forma de Alibab me punir por não conseguir sair de meu estado catatônico. — Cuspiu as palavras. Seu tom, apesar de seco, carregava grande dor.

Eu engoli em seco. Jamais imaginei que o último Deucalion teria sido submetido a algo assim.

— Eu… sinto muito. — Balbuciei, voltando à minha tarefa que eu não percebi que havia parado no meio. Também voltando a respirar. — Nunca imaginei que… teriam feito isso com você.

Trevor deu de ombros.

— Ninguém imagina. Não era pra ninguém saber, na verdade. — Dissertou, seu semblante se mantinha indecifrável, mirando a batata em suas mãos. — Achei um livro de receitas e acabei aprendendo ainda na cadeira de rodas. Acho que isso me ajudou no meu senso de independência, e desde então cozinhar me trás paz.

Eu sorri minimamente. Por algum motivo, gostava da sensação de conhecer Trevor um pouco melhor.

— Bem, ao menos conseguiu tirar uma coisa boa disso. — Aventei, enquanto terminava de ralar o restante do queijo, e Trevor ainda descascava a segunda batata. Após pôr todo o queijo ralado no pote de vidro, me voltei para Trevor. — Terminei o queijo, o que faço agora? — Inquiri.

Trevor observou o queijo ralado de modo analítico, e então mirou a mesa em volta, logo se voltando para mim.

— Corte uma cebola grande e uma pequena. Em pedaços bem pequenos. — Instruiu. — Quanto menores os pedaços, mais elas temperam a comida.

Herdeira de Sangue e Fogo [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora