Capítulo 37: Visitantes

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Trevor me deixou em casa e saiu novamente, dizendo que faltavam ingredientes para o jantar. Ele me deixou na companhia da diarista que limpava a casa e não costumava se envolver muito com nenhum de nós dois. Permaneci em meu quarto por algum tempo, tentei meditar mas não consegui me concentrar, tive alguns picos de choro, tomei banho, comi biscoitos do armário, e agora estava abrindo o livro das Crônicas do Oleiro.

No sumário haviam muitas histórias, nos últimos dois meses eu reli quase todas que já conhecia. Quase todas eram mais complicadas e menos enfeitadas do que sempre me foi contado, os heróis eram mais imperfeitos, alguns haviam cometido atos cruéis, mas reconheceram seus erros, aceitaram as consequências, e foram perdoados pelo Oleiro. No fim, percebi que as histórias que marcaram minha infância eram mais realistas do que eu poderia prever.

Saber que todos os heróis eram tão imperfeitos quanto eu me fazia de certa forma não me sentir tão mal. Mas ainda assim, a ideia de estar hospedando em meu ventre uma criança que um dia vai nascer e precisar de uma mãe, me fazia sentir que minha alma é infértil demais para conseguir cuidar de uma vida. Minha alma era seca e cheia de rachaduras, velha e empoeirada. Quando criança tive que ser adolescente, quando adolescente, precisei ser adulta, e agora sequer sou juridicamente adulta e estou casada. Tudo que sinto, é que minha vitalidade se esvaiu rápido demais, e nada sobrou para uma futura geração.

Você quis ser humana e agora vai ser a mãe dos herdeiros Deucalion. O meu sangue me torturava mentalmente. Mas sua alma provém do Abismo. Você não foi feita para cuidar, você foi feita para reinar, nem que isso custe vidas.

Eu suspirei profundamente, não encontrando forças para rebater meu monstro interior. Me sentei em minha escrivaninha e me pus a escrever. Já que não consigo meditar como normalmente faço, talvez eu consiga escrevendo o que quero dizer para o Oleiro.

Grande Oleiro
Com todo respeito quero falar com o senhor. Agradeço porque daqui algumas horas Circe terá um encontro com Hassan, desejo que ela tenha sorte, eles parecem realmente se gostar.
Mas creio que saiba quais são as notícias que de fato permeiam minha mente. Eu estou grávida. Eu sei que o senhor me permite estar grávida e forma o bebê em meu ventre da mesma forma que um dia me formou. Mas eu queria entender como o senhor pode permitir uma criança a alguém como eu.
Crianças precisam de mães, e eu sinto que não serei uma boa mãe. Nunca tive pai ou mãe, e às vezes eu sinto que não sou capaz de cuidar de alguém.
Eu não sei o que fazer, ou como prosseguir com isso. E eu quero pedir suas orientações.
Trevor está feliz porque vai ser pai, mas eu tenho medo e isso me faz sentir culpada. Eu não odeio essa criança, pelo contrário, tenho medo que ela cresça como eu cresci, ou como o Trevor cresceu.
Enfim, finalizo esta carta com uma súplica: eu peço sua orientação.

Terminei a carta e li-a em voz alta. Cassandra havia me ensinado que a meditação era necessária para eu mesma me conectar com o Oleiro, pois ele conhecia o barro que formou e sempre sabia o que estava acontecendo, sem que eu precisasse contar. Meditar sempre me trazia alguma paz, pois eu conseguia colocar tudo o que mais me afligia para fora. Porém, dessa vez em específico, nem mesmo desabafar com o Oleiro estava me permitindo ficar menos nervosa.

Após isso, resolvi ligar o rádio no quarto para ouvir as notícias, me deparando com notícias especificamente urgentes na voz de uma repórter:

Onda de ataques terroristas que já dura um mês continua. Um civil sem aptidão mágica plantou bombas no museu do norte, as explosões mataram quatro pessoas e deixaram quinze feridos. Ao ser preso e interrogado pela polícia, alegou não se recordar de nada. Foram feitos testes de resquícios de controle mental, dando resultados de hipnose. Por outro lado, uma substância química desconhecida presente nos exames de todos os outros terroristas também foi encontrada no sangue dele. O batalhão investigativo em conjunto com esquadrões do Asas Iluminadas já estão se movimentando. — A repórter explicou. Eu suspirei profundamente.

Herdeira de Sangue e Fogo [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora