Herdeira de Sangue e Fogo [COMPLETO]

Capítulo 8: Incapaz de chorar

Aquilo não me pareceu tão absurdo.

O que a humanidade já havia feito por mim para que eu me apegasse a ela? Ao que parece meu pai era o lorde do Abismo, mais poderoso de todos os monstros, e se eu entrasse em contato com ele, minha vida mudaria. Talvez eu enfim tivesse a minha liberdade e fosse aceita por ser quem sou. Eu enfim entraria em contato com algo que posso chamar de família, enfim seria aprovada e livre.

Mas ao mesmo tempo aquilo parecia incerto. Algo em mim protestava e não queria aceitar.

Sabe qual é a principal característica dos monstros, Brooke?

Uma voz ecoou em minha mente, mas não era a voz que clamava por violência, era a mesma voz que naquele dia na torre havia me visitado e deixado a fumaça branca em meu quarto. Eu franzi o cenho, me perguntando por que ela estava me questionando aquilo.

Monstros não são capazes de chorar.

De repente minha mente foi inundada por imagens que eu sabia não serem memórias minhas. A cidade de Torinco pegava fogo e cheirava a enxofre, as pessoas corriam gritando enquanto legiões de monstros com corpos enormes, resistentes e de aparência horrível as matavam pelas ruas. As ruas estavam manchadas de sangue, o caos era generalizado enquanto os magos batalhavam bravamente para conter aquilo. Havia corpos de crianças mortas, mães com bebês falecidos no colo, um cenário de horror que eu sequer poderia conceber.

Em Torinco havia uma torre com um relógio que estava quebrado desde a última invasão do Abismo, e nessa memória eu vi um monstro lançar um mago contra ele, tão forte que as paredes da torre racharam.

Foi então que eu percebi. Seja lá porque eu estava vendo aquilo, aquela era uma memória da última invasão do Abismo.

Monstros são incapazes de chorar pois são incapazes de ter empatia. Onde eles invadem, eles matam pessoas que nunca os fizeram coisa alguma, apenas por prazer. E você sempre abominou coisas assim, não é mesmo Brooke?

Seja lá o que fosse aquela voz, ela tinha razão. Meu sangue de monstro podia clamar por violência, mas algo bruxuleava em meu coração e se revirava no clamor por justiça, as histórias antigas me ensinaram como as coisas deveriam ser, e eu sabia que as pessoas haviam se esquecido de coisas muito importantes. Eu sempre vi pessoas maltratarem quem não podia se defender e saindo impunes, sempre vi pessoas darem justificativa para coisas que só a maldade poderia explicar. Sempre vi pessoas se valerem de seu nome, seu status, sua força e autoridade para a violência.

E a diferença, Brooke, é que os monstros jamais se arrependem.

— De fato. Eu não devo nada à humanidade. Sendo sincera, eu não gosto da humanidade. — Confessei, novamente olhando para Dazai e Lisa. Forcei meus poderes a se ativarem apesar de meu cansaço, fiz o fogo emanar de todo meu corpo e queimei as teias de aranha que me prendiam. Impulsionei meus pés com fogo e incinerei as aranhas embaixo de mim, logo me impulsionando e dando uma voadora incandescente no rosto de Dazai, que caiu no chão gritando com seu rosto queimado. Eu iria continuar batendo nele, mas Lisa tentou me acertar e eu saltei para longe, me desviando das garras afiadas. — Mas eu também jamais poderia fazer parte do Abismo! Não importa quem é meu pai, eu nunca estarei do lado de gente incapaz de chorar!

— Garota tola! — Lisa e suas aranhas começaram a se mover agilmente tantando me acertar com seus golpes e desviando de minhas rajadas de fogo, que incineravam suas aranhas e mesmo assim, ainda algumas conseguiam me acertar e me cortar.

O ritmo acelerado dessa batalha já estava me cansando, alternar entre ataque e defesa em alta velocidade estava esvaindo minhas forças e quando dei por mim, havia me distraído e uma garra de Lisa me atingiu nas costas e me trouxe uma agonia ardente que me fez grunhir e cair no chão.

Pus uma aura de fogo em volta de mim para as aranhas no chão não chegarem até mim, porém Lisa fincou uma garra em meu ombro, me fazendo gritar de dor e meus olhos marejarem.

— Essa aura de fogo não vai me impedir de levar você. Só preciso te desmaiar e deixar Lorde Hamartía lidar com você. — Ela tirou a garra de meu ombro e já se aproximava do meu rosto. Eu fechei os olhos, as lágrimas escorreram por meus olhos, não havia como escapar.

•••

Preste atenção, Deucalion. Olhe para o fogo em volta de você.

•••

O golpe que eu esperava não veio. Eu já havia aceitado e ele não me atingiu. Eu me levantei apesar da dor e olhei por cima dos ombros, a tempo de ver Trevor em cima do corpo caído daquela mulher aranha, com seu soco sendo contido pelas garras de ferro. Ele pulou para trás e eles voltaram a trocar golpes agilmente.

Olhei para trás e vi minha barreira de fogo ainda intacta e a desfiz. Apesar de já estar fraca e minha energia mágica estar acabando, eu me levantei. Pisei no chão e fiz labaredas surgirem por ele inteiro, queimando de uma vez todas as aranhas. Enquanto Trevor ainda saltava e lutava agilmente com Lisa, parecendo ainda mais rápido que antes e atingindo-a com seus fortes golpes, eu fiz manoplas de fogo em volta de meus punhos e me aproximei com furtividade por trás, enquanto Trevor se aproximava pela frente com um soco armado, eu me lancei sobre suas costas com a aura de fogo irradiando de todo o corpo.

Lisa soltou um grito dolorido e agoniado, incapaz de desviar do soco de Trevor enquanto todo seu corpo era queimado de uma vez. O soco esmagador atingiu sua face com todo impacto, de forma que pude jurar conseguir ver em Raio X seus ossos se partindo e fragmentando.

Eu me soltei de seu corpo antes que ele caísse, e já desprovida tanto da minha energia mágica, quanto da energia física e mental, fui incapaz de me manter de pé e caí no chão, deitada sobre o sangue misturado com cinzas e restos de ferro, de todas as aranhas que incinerei.

E pensando bem, também sobre meu próprio sangue.

— Não… eu não posso morrer ainda.

Mas meu corpo estava fraco demais, eu sabia que ia perder a consciência.

Brooke recusou o Abismo!
A voz benigna mais uma vez regula a situação.
O que acharam? Se gostaram, deixem a estrelinha e gosto de feedback nos comentários.
O que esperam para o próximo? Nos vemos lá.