Capítulo 27: Sobrecarga

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A tensão era palpável no ar da sala de treinamento.

— Brooke espera! — Apesar de Ronan ter me chamado, ele não conseguiu me parar.

Fui atrás de Trevor, eu precisava saber onde ele estava. O avistei saindo e o segui até vê-lo adentrar ao carro para ir pra casa. Nossos olhares se cruzaram conforme eu ia em sua direção com passos tensos, carregados e raivosos. Ele emitiu um suspiro profundo de frustração e ouvi-o destravar da porta. Sem que disséssemos uma palavra, me posicionei no banco do carona.

Fizemos todo o caminho para casa num silêncio sepulcral, em que eu me perguntava internamente, de forma ansiosa, como o escândalo de hoje afetaria nossa relação que já não era a melhor possível.

Você não teve culpa de nada, Brooke. Mas você sabe que ele não vai admitir isso.

Entrando em casa, eu enfim tive coragem de engolir em seco e chamá-lo:

— Trevor.

Ele me encarou por cima do ombro, seus olhos estavam sobre mim com o mesmo olhar gélido.

— Diga. — Respondeu.

Eu suspirei profundamente.

— Eu quero saber… por que duelou com o Ronan. — Inquiri, me aproximando com relutância, porém sem vacilar na expressão facial. — Ele não é forte fisicamente o suficiente para aguentar golpes seus.

— Mas você viu que ele sustentou muito bem com magia. Teve até a audácia de me afrontar. — Trevor retrucou, virando-se totalmente de frente para mim e se aproximando. — A pergunta, Brooke, é por quê interferiu sabendo que eu sempre curo todos com quem duelo. — Expressou, com frieza.

Eu franzi o cenho.

— Você não o curou. — Aventei.

— Porque vocês dois conseguiram me irritar o suficiente para eu esquecer. — Retrucou.

Eu espremi os olhos.

— Você não massacra todos com quem  treina da forma como queria massacrar o Ronan. Eu vi, ele já estava caído e você ia surrá-lo só pelo esporte. — Encarei-o com incredulidade em meu olhar.

— Está errada. Depois de jogá-lo na parede, eu iria parar. — Se defendeu.

— Você nem precisava tê-lo jogado na parede, quebrar a arena inteira não foi suficiente? — Argumentei. — Me diz, Trevor, por que queria destruir alguém gentil como ele? — Elevei meu tom de voz.

Ele riu sem humor.

— Gentil até demais, não acha? Vi como ele olha pra você, como se aproxima de você, e o caderno cheio de desenhos seus. — Ralhou, eu franzi o cenho em incredulidade. — Ele pode parecer gentil mas sei que tem segundas intenções. Eu o pus no lugar dele, ou colocaria se você não atrapalhasse.

Eu até poderia ter perguntado sobre que desenhos eram aqueles, Ronan havia mencionado que gostava de desenhar. Mas sinceramente, todo aquele teatro de ciúmes me deixou mais brava do que deixaria se Trevor não tivesse um teto de vidro.

— Quer mesmo falar de aproximações? Trevor, aquela garota Lana, e uma penca de outras garotas, vivem em cima de você! Por que uma única pessoa sendo legal comigo pra variar te incomoda tanto e eu tenho que tolerar todas as suas amiguinhas? — Esbravejei, ressentida.

Trevor franziu o cenho.

— Essas garotas não significam nada pra mim. A Lana em especial é insuportável. Tudo que eu faço é manter a educação pelo bem da convivência, você não me veria defender elas se você resolvesse duelar. — Ralhou. — Já você… parece gostar muito do metamorfo. Eu tenho buscado ser um bom marido pra você. Eu faço a comida, te levo de carro para o treino, te dou a mão, mas sinto que meu esforço tem sido unilateral e até a uma pessoa que só surgiu agora você se dedicou mais do que a mim.

Eu balancei a cabeça, desgostosa.

— Você faz coisas metódicas que acha que vão te fazer um bom marido, mas na primeira oportunidade de me acusar sem me ouvir você faz isso. Sempre me trata como uma incivilizada, me acusou de buscar contato com o Hamartía e agora me acusa de estar me envolvendo com Ronan. — Senti lágrimas marejarem meus olhos. — Sempre foi assim, você nunca ouviu meu lado, nunca parou para se colocar no meu lugar, nunca foi capaz de me aceitar ou minimamente se importar com o que sinto, mas aí você me dá a mão quando chegamos na sede e chama isso de “se dedicar”. Tudo pra você mentir pra si mesmo de que seu sangue te torna mais honrado que os outros meros mortais. — Eu ri sem humor, sentindo uma lágrima salgada escorrer por meu rosto. Trevor me encarava com um misto de incredulidade e indignação. — Me desculpe se eu nunca tive afeto na minha vida e por isso valorizo uma amizade. O famoso e amado sobrevivente dos Deucalion não deve ser capaz de entender o que é solidão.

Trevor engoliu em seco e eu saí de sua presença, subi as escadas com rapidez, meu corpo todo tremia e minha mente estava num turbilhão onde não era capaz de me situar. Meu corpo tremia enquanto eu trancava a porta do quarto, a chave parecia poder escapar das minhas mãos a qualquer momento.

As lágrimas escorreram copiosas enquanto eu andava de um lado a outro. Meu corpo tremia, movido puramente por adrenalina ainda que eu estivesse cansada. Apertei meus cabelos entre minhas mãos, nervosa, começando a sentir o cheiro de enxofre. Olhei para minhas mãos, meu braço mecânico já começava, à partir dos dedos, a ser envolto pela sombra preta. Meu coração disparou, completamente acelerado. Aquilo era errado, eu não podia perder o controle.

Mas isso seria tão ruim assim? Quantas vezes nesses últimos dias eu já desejei não ser humana? Quantas vezes eu já desejei não sentir nada e não ter a capacidade de chorar? Quantas vezes eu quis não me importar e não sentir mais dor?

Eu apertei meus cabelos entre minhas mãos. Eu não sabia o que sentir, o que pensar, eu só sabia que não podia me deixar ficar inconsciente como fiquei naquela cela. Se alguém me visse naquele estado, eu seria morta com certeza.

Você pode não ser humana. Você pode enfim fazer o que quiser, sentir o que quiser, viver seu próprio bem e seu próprio mal… Ouvi aquela voz em minha mente.  Você pode enfim conhecer sua raiz, Brooke, e terá tudo que sempre quis.

As lágrimas escorreram por meu rosto e eu permiti às minhas pernas bambas que desabassem ao chão. Minhas mãos tremiam, eu fechei meus olhos e perguntei:

— Como eu faço isso?

A cidade de Laocideia. Arrume suas malas, saia da mansão e te direi para onde ir. Uma pessoa especial, um de meus mensageiros, te levará em segurança.

Eu não pensei muito, minha mente estava nublada e meu único instinto era desesperadamente buscar o fim da minha agonia. Peguei uma mochila e coloquei algumas roupas dentro, a cada instante que eu me arrumava, algo parecia se revirar em incômodo dentro de mim, me apontando como aquilo não era certo, mas eu não queria me importar.

Eu estava cansada de viver tentando ser boa, tentando dar significado à minha existência, e só colher o sofrimento. Se para viver de verdade eu precisasse dar fim à minha humanidade, eu faria isso.

Meu coração estava acelerado. Eu olhei para o livro sobre minha mesa que Cassandra me deu. Livro esse que eu sequer abri. Ela provavelmente ficaria decepcionada quando descobrisse que eu sumi. Eu engoli em seco, me movi rapidamente, deixei de olhar para aquele livro. Quis abandonar toda culpa que pudesse me impedir de fazer o que queria.

Eu pus minha mochila sobre o ombro e abri a janela do meu quarto. O vento frio acariciou meu rosto e balançou meu cabelo. Eu sairia por ali e ainda hoje atravessaria a fronteira.

Parece que eu finalmente vou te encontrar por vontade própria, pai. Finalmente serei o monstro que tanto temem.

Meus pés estavam sobre a janela, agachada, pronta para saltar, impulsionar meus pés com fogo e fugir.

Eu suspirei profundamente. Pus um pé para fora, pronta para meu próximo movimento, mas por reflexo, meu corpo recuou. A porta do meu quarto emitiu um barulho brusco, meu corpo inteiro arrepiou e paralisou no mesmo lugar. Meu pé que estava para fora se posicionou novamente sobre a janela.

— Brooke. — Era Cassandra. Ela adentrou em meu quarto batendo seu cajado no chão conforme andava lentamente, seus olhos confusos e sobrancelhas tensionadas estavam sobre mim. — O que está fazendo?

Muitas emoções galera, muitas emoções
Para a felicidade de vocês, agora os capítulos vão vir com maior frequência.
Espero vocês no próximo!

Herdeira de Sangue e Fogo [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora