Herdeira de Sangue e Fogo [COMPLETO]

Capítulo 46: A bela e a fera

Circe

Após o treino no Asas Iluminadas, perto do anoitecer, Circe engoliu em seco ao estar diante do quarto de Hassan no hospital militar.

Ela suspirou profundamente, sentindo o busto subir e descer sob sua mão.

Sem que quisesse admitir, as palavras de Lana estavam certas. Se não tivesse se envolvido com Hassan, Wickham não conseguiria hipnotizá-la e usar seu poder contra Trevor. E saber que Hassan sequer havia feito aquilo por vontade própria intensificava sua culpa.

E por mais confusos que estivessem seus sentimentos, ela sabia que não conseguiria se sentir em paz se não falasse com Hassan uma última vez.

Apesar de ouvir vozes dentro do quarto, Circe entrou. A cama onde Hassan estava sentado com roupas hospitalares estava visível entre outros quatro leitos, entretanto, uma figura que Circe só conhecia por visão e pelo que ouviu falar estava sentada ao lado de sua cama, conversando com ele.

Ela fazia juz a todas as descrições, tanto das pessoas mais velhas, como de Brooke. Uma senhora mais alta que a média, com a pele escura exibindo poucas rugas para a idade, cabelos alvos como a neve, com uma grande cicatriz vertical em um dos olhos que era totalmente branco. Ela trajava um enorme vestido roxo e segurava um cajado.

Aquela sem dúvidas era a lendária vidente Cassandra, a última vidente do Oleiro em Torinco, cujo governo e a mídia tentaram ao máximo apagar da existência, mas não podiam negar a grandiosa autoridade.

— Eu sinto muito por tudo que está passando nos últimos tempos. — Cassandra falou em tom amigável para Hassan. — Eu peço que ouça meu conselho e quando voltar a Ésefo, procure Jetro Ordnael no orfanato Castellan. Por mais que já tenha dezenove anos, ele vai saber como te ajudar. — Instruiu. Hassan assentiu com o rosto sério.

— Obrigado, senhora vidente. Suas palavras renovam minhas esperanças. — Hassan respondeu, esboçando um mínimo sorriso melancólico.

Circe engoliu em seco e se aproximou, sendo rapidamente percebida por Cassandra e Hassan. Cassandra sorriu minimamente.

— Você deve ser a Circe. — Cassandra falou. Circe arqueou ambas as sobrancelhas. Seriam poderes de vidente? — A Brooke me falou sobre você. Fico feliz que esteja bem.

Circe emitiu um pequeno sorriso retraído.

— Sim. É um prazer conhecê-la, senhora vidente. — Baixou a cabeça em cumprimento, e então olhou para Hassan, percebendo que ele a olhava com espanto. — Fico feliz que esteja bem.

Hassan engoliu em seco.

— Circe…

— Bem, eu e Hassan já conversamos o que precisávamos. — Cassandra se levantou, mostrando que era ainda mais alta do que aparentava. Mulheres como ela, que exalavam classe, imponência e experiência, para Circe eram verdadeiramente muito bonitas. — Eu estou indo, mas se precisarem de qualquer ajuda, não hesitem em me contatar.

Tanto Circe quanto Hassan emitiram pequenos sorrisos forçados, antes de Cassandra se afastar, batendo o cajado no chão conforme andava, deixando-os sozinhos. mesmo com a camisola de hospital, dava para ver parte do ombro de Hassan enfaixado.

— Está doendo? — Circe indagou.

Hassan balançou a cabeça.

— Só quando me movo muito. — Respondeu, com um mínimo sorriso nervoso. — Circe, eu sei que nada pode reparar o que eu fiz, mas mesmo assim, eu preciso te pedir desculpas.

Circe engoliu em seco.

— Você não tem culpa. — Respondeu, sentindo seu corpo tremer.

— Eu vou voltar para Ésefo. Depois do que ajudei Wickham a fazer, não tenho coragem de ficar em Torinco. — Ele fez uma pausa, desviando o olhar para as próprias mãos sobre as cobertas. — Antes de me hipnotizar, o Wickham matou nossos pais. — Circe arregalou os olhos. — Eu nunca entendi muito bem porquê ele se isolava na floresta. Mas desde que começou esse hábito, ele mudou. Ele nunca gostou muito da nossa vida no interior cuidando de animais, dizia que não servia para isso. Mas agora sei que quando ele se isolava na floresta, era para conseguir ficar sozinho e contatar o Abismo. — Os olhos de Hassan tremiam. — Ele me hipnotizou por dois meses, mas ao que parece, esqueceu de dar o comando para que eu esquecesse de tudo quando saísse da hipnose. Porque eu lembro de tudo.

Circe engoliu em seco.

— Hassan… — Circe rodeou a cama de Hassan com passos hesitantes e as mãos trêmulas, e se sentou na cadeira onde antes Cassandra estava. — Eu imagino que seja doloroso perceber que seu irmão se tornou uma pessoa tão ruim. Eu sinto muito. — Comentou.

Hassan suspirou profundamente.

— Meu irmão sempre foi mais esperto que eu. Sempre lidou melhor com as pessoas. Eu sempre fui ingênuo demais. Quando me hipnotizou, ele deu um jeito da minha personalidade se manter desse jeito enquanto eu fazia o que ele queria, eu sequer parecia diferente. — Ele desviou o olhar. As mãos de Circe tremiam. — Eu vou voltar para Ésefo. A vidente Cassandra falou que devo contatar a Ordem do Oleiro, pois o Oleiro tem um propósito para mim. — Circe arqueou ambas as sobrancelhas. — Sinceramente Circe… nesse ponto da minha vida, acho que só o criador do mundo pode me dar uma esperança.

Circe desviou o olhar e assentiu, sem saber ao certo como se sentir quanto a tudo aquilo.

— Eu espero… que você consiga se reconstruir. Não consigo imaginar o que você está passando agora, e sinceramente espero que você supere tudo isso. — Desejou com sinceridade.

Hassan esboçou um mínimo sorriso, entretanto, seu olhar permanecia melancólico.

— Circe. — Inesperadamente, ele tocou suavemente sua mão. — Eu lembro de tudo o que ocorreu enquanto estava hipnotizado. Inclusive do tempo que passei com você. — Circe arqueou ambas as sobrancelhas. — E eu realmente gosto do que lembro, e aquilo que você viu era realmente a minha personalidade, apesar de não estar no controle de mim. Você é uma pessoa gentil, sincera, esforçada… mesmo sem o efeito da hipnose, eu genuinamente gostaria de… — Ele engoliu em seco, vendo que a expressão de Circe era aflita.

Circe engoliu em seco e desviou o olhar.

Ela havia conversado com Hassan por muitas vezes, e sabia que ele vinha do interior, nunca havia tido uma namorada, que era doce, levemente ingênuo e desligado. Acreditava que aquilo era uma parte dele que dizia a verdade, que não era controlada por Wickham. Ela havia se apaixonado pelo jeito puro do rapaz, e algo bom se remexia nela em saber que isso não era mentira.

Por outro lado, essa pureza havia sido maculada pela experiência traumática vivida, e Circe sabia que toda tentativa de Hassan de conquistá-la havia sido artificial, que talvez eles nunca se aproximassem se Hassan não fosse hipnotizado. Ela sabia que os elogios que recebeu, toda admiração, nunca viria naturalmente.

E no final, ela não conseguia se perdoar pelo fato de que por ter confiado nele, Brooke havia perdido o bebê. E que Hassan provavelmente só estava confuso quanto aos seus sentimentos e buscando alguém a quem se agarrar pois estava sozinho, que provavelmente um relacionamento com ele nunca lhe permitiria estar em paz, e talvez nem durasse muito.

Além da verdade avassaladora de que sua família jamais apoiaria aquela união, agora que já se espalhavam as notícias sobre Hassan ter, mesmo que involuntariamente, ajudado um terrorista.

— Olha Hassan, sendo sincera, eu realmente gostei de você. — Ela admitiu, sentindo um gosto amargo tomar sua boca. — Mas agora percebo que foi muita ingenuidade e não consigo te ver como nada mais do que o cara que me sequestrou.

Os olhos aflitos de Hassan denunciavam o quanto aquelas palavras o machucavam. Ele engoliu em seco e desviou o olhar.

— Eu entendo. Eu peço desculpas novamente, e me ponho à disposição, mesmo à distância, caso precise de mim. — Seus olhares se encontraram mais uma vez. — Circe, só me prometa uma coisa.

— O quê? — Indagou, esperando com atenção o que ele lhe pediria. Seu coração doía profundamente.

Hassan piscou longamente, direcionando-lhe um olhar carregado de intensidade.

— Que vai ser feliz. — Pediu.

Circe engoliu em seco, seus olhos se enchiam com lágrimas que ela queria desesperadamente controlar, mas sabia que não seria capaz. Ela arfou e ajeitou os óculos, se levantando abruptamente.

— Com licença. — Pediu, correndo e deixando a sala com brusquidão.

Tadinha da Circe :(
Enfim galera, esse foi o penúltimo capítulo de Herdeira de Sangue e Fogo. O grande final se aproxima.