Capítulo 15: Sacrifício humano

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Tal como Alibab disse, eu passei uma semana de licença do Asas Iluminadas, e isso até que foi bom, pois não precisei encarar a repercussão do anúncio do noivado. E aquela foi a única semana em que ao invés de andar de um lado para o outro com a minha bicicleta improvisada, um guarda da prefeitura me buscava de carro todos os dias para meus compromissos. Nesse tempo, não me encontrei com a vidente Cassandra, que estava resolvendo questões de moradia e trabalho, e resolvera me dar um tempo para lidar com tudo antes de começar a me instruir.

Eles me deram um dia de licença para tentar — e falhar miseravelmente em — ficar menos nervosa com tudo isso. Mas então veio o segundo dia e a primeira coisa que quiseram resolver para mim, foi minha saúde naquela área…

Digamos que nunca antes eu havia ido ao ginecologista e a experiência foi, sem dúvidas, muito estressante. Ainda mais se formos considerar que foi Alibab Naitsirc, com seu desprezível sorriso perturbador, quem me acompanhou. Ele não esteve comigo na sala durante a consulta, mas saber que ele estava me esperando ao lado de fora me causava aflição. Além do óbvio: ter uma pessoa que eu não conheço me tocando de forma que ninguém nesse mundo jamais teve a permissão de tocar, é sem dúvidas agonizante.

Felizmente ou infelizmente, não havia problema algum com minha saúde genital. Se tivesse algum ao menos eu poderia me livrar ou adiar esse casamento, acho que essa é a primeira vez que eu de fato queria ter alguma doença.

No terceiro dia, fomos resolver uma questão muito pertinente: o fato de eu quase não ter nenhuma roupa tirando meus uniformes. Fui arrastada por lojas de roupa, e a única coisa na qual pude opinar foi em não querer nenhuma roupa provocante, e ao menos nisso Alibab concordou comigo, dizendo que eu de fato só deveria me mostrar ao meu marido, e essa fala me fez arrepiar até os ossos dos dedos dos pés.

Bem, essa parte eu não posso dizer que foi tão ruim. Eu realmente precisava de roupas novas e agora tenho roupas de dormir, de sair, de ficar em casa… recebi praticamente uma loja inteira de roupas.

No quarto dia, fui escolher o meu vestido de casamento. “Escolher”. No fundo só fui descobrir qual vestido Alibab havia reservado para mim.

Segundo tradições, Trevor não podia ver meu vestido e muito menos me ver usando ele até o dia da cerimônia, e eu deveria me casar usando um vestido com a cor predominante da família de meu noivo. As cores simbólicas dos Deucalion eram preto e dourado, logo, meu vestido era dourado e na parte de cima se revelava sendo no formato de um ombro só, que se desenrolava numa manga longa. Alibab sequer fez questão de esconder que a intenção era cobrir meu braço mecânico quase inteiro, enquanto revelava meu outro ombro e meu braço de carne por completo, exceto pelas luvas pretas que cobriam minhas mãos. Meu pescoço foi estrategicamente coberto por uma gargantilha grossa de renda preta, escondendo a maior parte da cicatriz que o próprio Alibab me causou. Na cintura, um grande cinto preto a cobria quase por completo, e a saia se desenrolava longa e rodada, com uma sobressaia cheia de brilhos.

Eu me olhei no espelho e mal me reconheci. Não era eu vestindo aquela roupa, aquele vestido estava me aprisionando.

Os últimos três dias se passaram acompanhando de perto os preparativos. As escolhas de decoração, de penteado, de maquiagem, sapatos, e houveram dois ensaios da cerimônia junto com o Trevor, além de seções de fotografias para o jornal. Eu nunca fui a um casamento, então até aqueles ensaios, eu não tinha nem ideia do que fazer. Eu não conseguia evitar desviar o olhar sempre que nossos olhos se cruzavam e ele se mantinha sério o tempo inteiro, enquanto eu só baixava a cabeça, com medo da retaliação que poderia vir.

Desde quando ficou tão medrosa, Brooke? Eu indagava pra mim mesma sempre que percebia que quando eu enfim ficava sozinha, minhas mãos não paravam de tremer. O choro compulsivo me tomava e meus dedos estavam ralados de tanto que o nervosismo me levou a arrancar a pele em volta das unhas. E além disso, eu ficava ansiosa temendo que o cheiro de enxofre revelasse que eu estava perdendo o controle, que a sombra do meu sangue tomasse conta de mim e meu desespero me levasse à queda.

Herdeira de Sangue e Fogo [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora