Capítulo 16: Agridoce

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Os casamentos em Torinco eram mais que uma aliança entre duas pessoas que decidiam morar juntas e constituir família, e mais ainda do que uma união perante o estado. O casamento era uma união formada através de contrato mágico.

O prefeito Growin espetou meu dedo e o de Trevor com uma agulha, e deixamos a gota de sangue cair no tinteiro sobre a mesa, de forma que a tinta antes completamente preta assumiu um tom de vinho. Por mais que já existam canetas com tinta própria, ainda era tradição usar pena e tinteiro com tinta mágica em cerimônias de casamento.

Havia um contrato sobre a mesa, perante nós dois, com duas linhas para assinar os nomes, uma abaixo da outra. Acima dessas linhas, havia a frase:

“Um só barro, um só sangue”

Significava uma união debaixo dos olhos e sobre as mãos poderosas do Oleiro. Uma união de pessoas que desde o barro ele formou para si, e agora caminhariam juntas até retornar ao barro que as formou. Uma ligação tão forte e poderosa que seria maior que qualquer ligação sanguínea.

Entretanto, eu sabia que entre eu e Trevor as coisas jamais seriam assim.

Grande Oleiro… será que ele estava de acordo com aquilo?

Trevor molhou a pena no tinteiro com nosso sangue e assinou seu nome.
Eu peguei a segunda pena sobre a mesa e desviei o olhar por um instante, vendo a vidente que um pouco atrás de Trevor me olhava de forma firme. Eu engoli em seco, olhei para ela como um pedido de socorro, mas ela apenas assentiu.

Olhei para minha mão humana e trêmula que segurava a pena e suspirei profundamente, molhando-a no tinteiro e me inclinei sobre a mesa, assinando meu nome no papel, com o sobrenome que Cassandra me disse ser meu verdadeiro.

Trevor Deucalion
Brooke Leirbag

Apesar de eu assinar com esse nome, meu nome seria mudado nos registros do governo. Logo meu nome seria oficialmente Brooke Deucalion. Ou se fosse levado em conta que já sei meu sobrenome, seria Brooke Deucalion Leirbag.

O prefeito pôs um pano sobre o papel para tirar o excesso da tinta e então o dobrou das pontas até o meio, selando-o com um carimbo de cera.

— Vos declaro, perante o Oleiro e a cidade-estado de Torinco, marido e mulher. — O prefeito Growin declarou.

Aquele carimbo de cera havia selado minha prisão perpétua, algemada para sempre a alguém que me considera o pior dos males do mundo, que durante nossa cerimônia me olhava de forma indecifrável, se mantinha sério, indiferente. Isso quando olhava para mim.

Eu não me sentia mal especificamente por me casar. Eu sequer tinha expectativas de alguém querer se casar comigo, e nunca havia tido esse interesse por alguém também. O problema era saber que jamais seria amada em meu casamento, e duvidar se igualmente seria capaz de amar. Se sequer sabia todas as incumbências que se agrupavam no conceito de amar.

Depois da cerimônia foram servidos petiscos para os convidados, pequenos aperitivos e bebidas degustadas enquanto conversavam. A maioria das pessoas parabenizavam Trevor, era até estranho vê-las serem educadas comigo. Eu não conseguia comer, meu estômago se revirava e eu sentia que qualquer coisa que eu comesse naquele dia seria visceralmente vomitada.

Eu agradeci internamente quando aquela confraternização de pessoas elegantes acabou e a vidente desejou à mim que tudo ocorresse bem, já havia anoitecido quando Trevor e eu entramos em seu carro, e ele dirigiu para a casa Deucalion, onde já estavam todas as minhas malas no quarto de hóspedes.

Chegando novamente à casa Deucalion, que agora eu teria que me acostumar a chamar de minha casa, eu me sentei no sofá, sem ter noção de qual passo tomar depois dali.

Herdeira de Sangue e Fogo [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora