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Na semana que se seguiu ela sentiu uma faísca em seu poder. Não foi o impulso de possuir uma nova alma, mas era perceptível - mais até do que os poucos Acordos selados sem almas que ela tinha feito. Talvez por que a garota estava viva? Alguns dias depois da viagem improvisada ao mundo humano, ela sentiu o gosto do seu chocolate favorito pela primeira vez em meses. Ela podia sentir também algo como cócegas de onde se ligava ao servo. Ylwa podia dizer que ele estava preparando tudo para cumprir sua parte do Acordo, mas isso não era um dreno em seus poderes e nem particularmente distrativo. No geral, após alguns dias, ela podia dizer que valia a pena buscar mais desse tipo de interação.

Deixando o servo fazer aquilo para o qual foi criado, ela se concentrou em outros assuntos. Logo o próximo extermínio chegaria, e ela precisava garantir a segurança de suas almas. Carlo e Lilia tinham um local seguro debaixo do bar, onde costumavam se esconder e nunca tiveram problemas. Lá caberiam mais dez pessoas, no máximo, o que ainda deixava mais de 600 almas para abrigar.

Algumas das pessoas seladas a ela também tinham esconderijos, alguns capazes de abrigar mais de um pecador. Lentamente e com cuidado, ela organizou sua almas até que sobraram cerca de 398 almas sem onde se esconder. O que fazer com elas? Foi então que surgiu uma ideia. Será que ela consegue puxar outras pessoas para dentro das sombras? E se sim, conseguiria puxar todas essas almas e mantê-las lá até o extermínio acabar?

— Quanto tempo o extermínio costuma durar? — Ylwa perguntou à Lilia.

— Começa de manhã, sem horário específico, e dura algumas horas. Os anjos matam qualquer um que conseguirem encontrar nesse dia. Nem todos conseguem se esconder, e como não tem tempo certo, mesmo quem tem onde se abrigar pode ser pego de surpresa. A Rainha costuma fazer uma contagem regressiva, o que dá pelo menos um minuto de aviso, mas ninguém ouve nada dela há meses então não é certeza se haverá contagem esse ano.

— Uma contagem? Será que a família real recebe um aviso? — a gata se perguntou em voz alta antes de prosseguir com sua ideia. Avisando Carlo para contar o tempo, ela fechou os olhos.

Com cuidado, ela estendeu a mão para todas as suas almas, exceto a do dono do bar, puxando as correntes como um sinal de que faria algo, antes de respirar fundo e se fundir nas sombras, desta vez levando as almas consigo. Não foi imediatamente perceptível, mas quanto mais tempo permanecia ali, mais notável se tornava. Era como caminhar em uma rua com leve inclinação: fácil nos primeiros minutos, mas com o passar do tempo, a respiração se tornava pesada e os músculos começavam a doer. Se tivesse tentado isso ao chegar ao Inferno, não teria conseguido sustentar mais do que duas almas e apenas por alguns minutos, no máximo uma hora. Se realmente exagerasse e se esgotasse, talvez resistisse duas horas, mas certamente ficaria inconsciente depois.

Ylwa manteve as almas consigo pelo máximo de tempo que pôde. O tempo parecia não ter significado. Finalmente, ela chegou a um ponto em que continuar seria arriscado demais, e assim ela se soltou, materializando-se novamente no bar e libertando as almas de volta aos seus lugares originais. No momento em que a tensão desapareceu, seu corpo vacilou. Suas garras se cravaram no balcão do bar, tentando mantê-la de pé.

— Quanto tempo? — perguntou a Carlo com a voz rouca.

Embora o bico não permitisse um sorriso, era evidente que, se pudesse, o velho barista teria sorrido:

— Cinco horas.

Ela suspirou aliviada. Cinco horas era a duração média dos extermínios, que poderiam ser mais curtos ou mais longos. Se ela conseguiu suportar cinco horas com 665 almas, poderia aguentar um pouco mais com 398.

A notícia correu entre os pecadores da região, aliviando a preocupação de todos. Nesse momento, aqueles que ainda temiam ter cometido um erro ao vender suas almas sentiram, por fim, que aquela foi a melhor escolha que poderiam ter feito.

Hell Greatest Secretary!Onde histórias criam vida. Descubra agora