Lilith

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Lilith não sabe onde tudo deu errado. Foi quando se recusou a voltar para Adão após uma briga aos gritos? Ou foi quando ela e Lúcifer foram jogados no Inferno? Talvez em algum momento antes dos Extermínios, ou mesmo depois? Ela não sabe.

Tudo era tão brilhante no começo. Tão novo e interessante, um Jardim inteiro para explorar. E Lúcifer. Ele era radiante, tão diferente dos outros anjos que ela conheceu. Ele não a ordenava, não zombava de suas perguntas, encorajava sua curiosidade. Depois da briga com Adão, a primeira mulher só queria se sentir melhor, e o anjo estava lá, tão gentil e bonito, que ela não resistiu. Foi uma sensação agradável, suave, tão diferente do que experimentou com o marido designado, que ela não quis parar. Lúcifer seria um marido melhor, ela pensou, e com isso se recusou a voltar, sabendo que o anjo nunca a ordenaria que fizesse algo.

Eva foi um golpe no peito. Não deveria ter sido uma surpresa que os anjos criassem uma substituta, mas ainda assim doeu ver o quão rápido foi substituída tanto pelo Divino quanto por quem deveria ser seu parceiro. Ela ficou com raiva, e quando Lúcifer comentou mais uma vez sobre como era injusto negar o livre arbítrio aos humanos, ela o encorajou a tomar uma atitude, a oferecer o Fruto Proibido a Eva.

Lilith queria provar que a segunda esposa não era melhor que ela, e isso acabou sendo ainda mais preciso do que ela poderia pensar. Lúcifer não precisou mandar Eva tomar a Maçã; ela fez isso sozinha, algo que nem Lilith podia, e então se virou e mentiu para Adão, fazendo-o comer também. Então o céu escureceu, os anjos desceram e arrastaram ela e Lúcifer diante de Deus. O Julgamento foi um borrão, tudo acontecendo tão rápido que ela mal conseguia entender, e de repente ela foi jogada da beira, direto por uma fenda no Universo.

Tudo o que podia fazer era gritar, aterrorizada, mas logo asas a cercaram e quando bateram no chão ela mal estava arranhada. Tudo ao seu redor era terrível. Quente, seco, cheirando a algo podre. Lilith podia sentir seu corpo rejeitar o próprio ar, mas Lúcifer estava lá, machucado e ainda tão preocupado com ela. Ele segurou suas mãos e a beijou, seu poder correndo para dentro dela, mudando-a, tornando-a mais forte, e logo ela podia respirar de novo.

Os anos seguintes foram passados em medo atordoado e uma camaradagem indispensável. Os dois se agarraram um no outro e quando a primeira alma humana chegou, eles hesitaram, mas a receberam. Eva caminhou pelo Inferno com eles por muito tempo e Lilith aprendeu a apreciar a outra mulher, sua personalidade naturalmente gentil fazendo as interações fáceis, principalmente quando a segunda mulher não era uma ameaça à sua posição. Com os séculos, de fato, Lilith ficou tão confortável em seu poder e na dedicação de Lúcifer que, por curiosidade, convidou Eva para a cama deles.

Foram bons tempos, e os pecadores continuaram chegando, o que só aumentava o poder dela, já que agora era a Rainha do Inferno. Ela gostava do poder, gostava de ter o comando, de ser obedecida sem questionamentos e ouvida sem esforço. Lúcifer era um apoio, sempre a favor de seus planos, sempre encantado em vê-la, mas...

Esse era o problema, não é? Havia sempre um "mas". Ele não queria se envolver no governo, não queria interagir com os pecadores, não impunha sua vontade como Rei, e ainda assim seu poder e autoridade eram maiores que os dela. Se ele quisesse, poderia desfazer tudo. E era bom que ele não se envolvesse, mas não podia fazer mais? Não podia acompanhá-la? Sair daquela oficina? Parar de se culpar pelos pecados da humanidade? Passaram-se séculos, milênios até. Não era o suficiente? Ela não era o suficiente?

Então os anjos ameaçaram guerra. Depois de incontáveis anos de silencio eles vem e ameaçam seu reino. Ela queria mostrar a eles o erro de enfrentá-los. Seus números eram maiores, Lúcifer era o mais poderoso dos anjos antes de cair e ela partilhava seu poder. Eles poderiam esmagar o Céu, juntos. Mas o Rei do Inferno não queria guerra e ao invés disso permitiu o extermínio de milhares de almas por ano, para pacificar o Céu.

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