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Lúcifer estava completamente focado no pato de borracha em suas mãos. Ele lidava com o objeto de forma delicada e cuidadosa, acrescentando uma pincelada gentil à asa esquerda, quando um estrondo o tirou de seu transe, fazendo-o saltar, assustado.

— O que? Que barulho foi esse? — exclamou.

Curioso, ele deixou o pato na mesa e colocou a cabeça para fora da oficina. O corredor vazio o cumprimentou, assim como todas as vezes que saía do local, lembrando-o do quão sozinho estava. Por um momento, ele quase voltou para dentro da sala, mas outro barulho o incitou a continuar olhando.

Seguindo os sons, ele desceu até as partes mais abandonadas do palácio, surpreso por encontrar alguém lá. O diabo parou diante da porta da Biblioteca das Almas, nome dado ao local por sua esposa, ou melhor, ex-esposa, pensou ele com uma pontada no peito. Lúcifer se perguntou o que estava acontecendo.

Abrindo as portas e espiando lá dentro, surpreendeu-se ao ver uma pecadora. Levou um tempo pateticamente longo para se lembrar da estranha visita e da gata ainda mais estranha. Há quanto tempo foi isso? Um dia? Uma semana? O rei não conseguia se lembrar, mas de qualquer forma, estava surpreso ao vê-la ainda no local. Ela havia saído? Comido alguma coisa? Dormido?!

A demônia estava sentada no chão, cercada por uma pilha intimidante de livretos caídos, o que provavelmente foi a origem do primeiro som.

— Vossa Majestade? — chamou a felina, tendo ouvido a porta se abrir e encontrando o rei parado na entrada, olhando confuso para a bagunça. — Peço desculpas. Não queria incomodar.

— Eu... — começou Lúcifer, antes de continuar. — Há quanto tempo você está aqui?

Ylwa se levantou, espanando sua bermuda. Seu rabo balançava atrás dela de forma inquieta, enquanto ela analisava o rei.

— Eu nunca saí. Não tinha certeza se teria permissão para voltar e o mordomo nunca passou por aqui. Não quis vasculhar o Palácio para tentar encontrar alguém para perguntar. — respondeu Ylwa, um pouco envergonhada.

— Quanto tempo faz? — questionou o anjo caído, completamente esbaforido e sem saber como encarar essa admissão.

— Uma semana. — respondeu Ylwa, com os olhos estreitos diante das palavras do Rei, não que ele tenha notado.

— Você comeu? Dormiu? Pelo Pai, eu sou um anfitrião horrível! — Exclamou Lúcifer, completamente imerso no sentimento de fracasso. Ele nem percebeu que ela ainda estava lá. Ele nem cogitou que precisaria dar permissão para voltar, ou oferecer lanches, ou acomodação. Ele nunca lidou com visitas de nenhum tipo e a sensação de fracasso ameaçava mandá-lo em uma espiral. Ele não notava nada do que acontecia ao seu redor, tudo estava abafado, a respiração parecia não chegar aos pulmões, até que garras apertaram seu ombro com força e agarraram suas mãos, puxando-o de sua mente.

— Vossa Majestade! — gritou Ylwa enquanto agarrava o ombro do rei com uma de suas mãos, a outra apertando a mão do monarca e levando-a ao seu próprio peito, enquanto dizia: — Respire comigo! Inspire: 1, 2, 3, 4. Segure. Expire: 1, 2, 3, 4. Isso mesmo, de novo.

A demônia continuou esse exercício, observando cuidadosamente as reações de Lúcifer. Tentando deixá-lo mais confortável, ela começou a emitir um som do fundo do peito, um ronronar. Era algo que descobriu ser capaz por acidente, mas que agora se mostrava útil.

Lentamente, a respiração do rei se estabilizou e ele pôde mais uma vez pensar claramente, o que levou a uma onda de vergonha pela reação completamente desproporcional.

— Nossa! De onde veio isso! Ha ha! — ele se afastou da gata, tentando disfarçar o embaraço.

Ylwa observou o rei. A reação anterior foi inesperada, assim como o aparente esquecimento de sua presença dentro do Palácio. Observando sua aparência, era possível notar as roupas amassadas, as mesmas do início da semana, na verdade. Ele também tinha olheiras, e o cabelo estava despenteado, como se tivesse passado a mão por ele muitas vezes. Lúcifer claramente não estava bem.

Hell Greatest Secretary!Onde histórias criam vida. Descubra agora