Mimadinho de Neve e Rei Mau

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Jake estava livre.

Livre.

Não precisava mais fingir uma loucura ponderada, vestir roupas esquisitas, tomar chá todo dia nos mesmos horários estabelecidos, como um completo lunático, e nem costurar roupas chiques — Ainda que essa parte tenha se mostrado surpreendentemente divertida, talvez no futuro ele a revisitasse e tomasse como hobbie ou vocação.

Suas mães o receberam tão bem, entre os abraços, beijos e cuidados, levaram ele para tomar um longo banho, fazer exames e depois comer bastante. As tias de Sunoo estavam lá, cuidavam da cozinha, e serviram um banquete naquela noite, todos festejaram o retorno do filho da Rainha Má. Que ironia.

Seus amigos também estavam todos lá, Niki o abraçou pela cintura e levantou, ele ficou tão alto que conseguia fazer isso sem problemas, Jake chegava a se sentir um bonequinho de pano magricela nos braços do amigo. Ele estava namorando Sunoo, que o cumprimentou à distância, sorrindo, sua amiga Winter bem ao lado. Jay também foi atencioso, ainda que ele não tivesse todas as memórias, como confessou. Já Jungwon agiu estranho, depois se aproximou mais, e pareceu aceitar a sensação de amizade e nostalgia que superava a prisão de suas memórias.

Os outros também estavam lá, os irmãos Juyeon e Eric sentaram na mesa ao lado, com Heeseung — Que fez um breve aceno de cabeça, sorridente, para Jake — e Sunghoon, que ficou mais distante nos primeiros momentos. Ele deixou Jake rodeado pela família e amigos próximos, mas não parou de olhar na direção do shim, nem quando Heeseung lhe deu uma cotovelada nas costelas, e ele reclamou, empurrando o ombro do melhor amigo, que esbarrou em Eric, bem ao lado, e os dois se entreolharam, sorrindo sem jeito. Interessante.

Ao fim do banquete, levaram Jake ao quarto onde ficaria, era espaçoso, uma cama de casal confortável, o papel de parede era verde claro, bem desbotado, e os móveis já viram dias melhores. Mas se aquilo era parte do custo da liberdade, valia mais que os luxos da prisão de Jiyeon.

Jay, Jungwon e Niki ficaram lá, juntos de Jake, por quase duas horas, até que a madrugada tomou forma e o sono os atingiu. As conversas foram tão boas, algo que Jake sentia falta de uma maneira assustadora, a familiaridade da vida real. Tanto que quando foi deixado sozinho, o medo da solidão voltou a rastejar por debaixo da porta, até que duas batidas ecoaram na madeira velha.

Ele correu para abrir, estava de pijama, o calção curto e a camisa branca que lhe deram, quando afastou a porta e viu Sunghoon parado do outro lado.

Os olhos escuros do Park subiram, do chão até Jake, ele engoliu o seco, e o movimento mínimo fez seus cabelos prateados se mexerem um pouco. As palavras escaparam à mente de Jake, e ele deve ter balbuciado alguma bobagem, como “ahn” ou “uhm”, que fizeram Sunghoon abrir a boca e fechar no mesmo instantante. Que desconfortável.

— Posso entrar? — perguntou o Park, apontando para o interior do quarto, o olhar apreensivo.

— Claro — disse Jake, abrindo passagem pela porta.

Sunghoon passou, e Jake enfim percebeu que ele ainda vestia a roupa de antes, a calça e a camisa preta, o casaco marrom que parecia couro, mas não era, porque Minho e Jay não gostavam de peças de origem animal. Coisa de fada. As roupas velhas, quase medievais, ainda que bem modernizadas pelas costureiras a serviço do grupo de Somin, caiam bem em Sunghoon. Ele estava mais pálido, mas não de maneira doentia, apenas de forma gelada, as bochechas coradas.

Jake fechou a porta, o estalo do trinco fazendo barulho demais, antes dele começar a caminhar pelo quarto, tentando se sentir mais confortável em meio a situação.

— Eu queria conversar — anunciou Sunghoon, depois de pigarrear.

— Claro.

Por que estava tão nervoso? Bem, Jake não o via, via de verdade, em carne e osso, sem prisões mágicas e projeções, desde o dia em que tudo deu errado, quando Jiyeon criou aquele mundo e fez todos de refém, quando Sunghoon estava adormecido por uma maldição milenar lançada pela primeira Malévola, e despertou somente com o beijo de amor verdadeiro de Heeseung. Não o dele, Jake havia falhado, seus sentimentos foram insuficientes para salvar Sunghoon.

Espelho Espelho Meu - JakehoonOnde histórias criam vida. Descubra agora