Os três mosqueteiros

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O frio da madrugada era de bater os dentes.

Os guardas queriam tudo, menos estar ali, obedecendo ordens estúpidas para recolher um maldito carregamento, supostamente protegidos pela penumbra da madrugada e a meia dúzia de guardas que tratavam daquele transporte. A missão era fácil, na teoria, transportar dois carregamentos para fora da capital, indo em direção a Cidade do Xadrez, um percurso longo rumo ao sul.

A carroça preparada para o transporte era grande, coberta por uma lona tão densa que tornava impossível ver de fora qualquer coisa dentro. Os cavalos novos mantinham o ritmo suave, o cavaleiro conduzindo não deveria acelerar, para evitar atrair suspeitas ou causar danos à carga sensível.

De onde eles estavam já dava para se ver a muralha e os portões da saída da capital, erguidos em toda sua majestade de pedra cinza polida, acompanhados do odor nauseante, uma mistura de cerveja barata com carniça, lixo e sujeira. As casas seguiam um principal semelhante, quanto mais distantes dos domínios palacianos ou do centro, mais decadentes e decrépito o estado das moradias.

O frio piorou. Ao som do ranger da madeira velha dos portões próximos, uma névoa baixa começou a surgir, subindo aos poucos, passando da altura da cintura, até rodear todo ambiente.

— Irei na frente, ordenar que abram os portões — disse o chefe da comitiva, levando em mãos o documento assinado por um dos Sete Generais, o Caçador.

O homem seguiu de cavalo, indo em passos rápidos mais a frente, desaparecendo na névoa que se estendia no percurso de meio quilômetro até a muralha, o som do galope alto diminuindo após se ficar impossível avistá-lo. Quanto mais os outros cinco cavaleiros se aproximavam, mais o silêncio crescia, cortado apenas pelo som de seus próprios animais e do movimento da carroça.

Não havia mais sinal do chefe.

— Senhor? — perguntou um dos cavaleiros, a voz alta para se fazer ouvido.

Nada.

Nada, até o som do galope do cavalo retornar. Sozinho, passando por eles rapidamente, em fuga, sem sinal de seu cavaleiro.

Os homens arquejaram, os dois da frente desembainhando as espadas. Haviam boatos de rebeldes pelo Império, mas nunca escutaram nada a respeito dentro da capital, não de nenhum caso. O espaço seria que tivesse acontecido algum acidente, uma rédea mal segurada e o cavalo ter escapado, mas o corpo pesado caindo do céu diante dos olhos deles indicou outra coisa.

Todos se sobressaltaram no susto, os dois da frente descendo dos cavalos, levando as espadas nas mãos, alertas ao ambiente. A garganta aberta do chefe no chão, pintando o chão cinza de vermelho não era um bom indicativo de nada.

Como ele havia caído do céu?

Iria ser complicado virar a carroça, ainda mais se um combate tivesse início, então os dois cavaleiros cuidando da condução e o sexto na retaguarda do transporte se prepararam, o som dos sapatos pesados batendo no chão de paralelepípedo, as espadas reluzindo a luz fraca das casas ao redor, que a maioria estava escura.

Não houve som algum, exceto dos animais, até que o cavaleiro da retaguarda gritou, o corpo sendo puxado para o oceano de névoa num movimento astuto e impossível de ser previsto. Não havia passos… não, haviam sim, tão suaves e medidos, leves como os de um felino se divertindo com as presas.

Gatos não precisam de ratoeiras para caçar ratinhos.

O som de uma lâmina sendo desembainhada e movida no ar chamou a atenção de todos para a esquerda, e então o corpo do homem desaparecido novamente caído do céu, agora à direita das carroças.

Espelho Espelho Meu - JakehoonOnde histórias criam vida. Descubra agora