A casa da Madrasta

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Os últimos dias foram piores que Sunoo imaginava, as brigas entre seus pais tomavam a casa, discussões tão recorrentes quanto às refeições que fazia na ausência de um deles. A vivência casa estava infernal, o desenho dado por Niki havia servido como algum consolo, mas um gesto carinhoso não poderia aplacar todo o desconforto e dor imposto como uma nuvem de fumaça no ambiente familiar. Ele se sentia sufocado.

— Meu sofá de pele de unicórnio, não! — Sua mãe estava a espernear, gritava de desespero vendo os homens a serviço do banco carregando os móveis mais caros em direção aos caminhões.

Estavam apreendendo tudo da casa, era parte da garantia dos empréstimos feitos por seu pai, e Sunoo entendia muito bem disso. Eles levariam tudo, incluindo a casa onde moravam e todas as outras propriedades, mas nem assim a dívida seria quitada. Haviam dado alguns dias para saírem da casa, graças a amizade de anos do oficial responsável pelo caso com sua mãe, mas teriam de sair da casa.

— O que mais vão me tirar? — A mãe do Kim gritava, a fala direcionada a supervisora presente, monitorando a apreensão dos pertences e os listando no "tablet" que trazia consigo. — Meus sapatos de salto feitos de diamante?

A mulher ruiva que trabalhava para o banco deu uma breve olhada na tela do aparelho, então encarou novamente a rainha sem fortuna.

— Obrigado por me lembrar, senhora, estava quase esquecendo. — Ela chamou pelos trabalhadores braçais. — Pessoal, os sapatos do closet! Não se esqueçam das outras joias e vestidos escondidos.

— Não!

Sunoo precisou agir, segurando sua mãe pelo braço, caso contrário ela avançaria contra aquela ruiva sobrinha neta da Rainha de Copas, que passava longe de ser algo além de figurante na atual "Alice do País das Maravilhas". A tia Anastásia chegou ao cômodo, vendo horrorizada o ódio manifestado pela irmã, perdida em desespero diante dos itens tomados.

— Senhora… — Ela chamou pela irmã mais nova, receosa de se tornar a próxima vítima. — Suas malas estão prontas, foram separadas todas as peças que o banco julgou válidas de poderem manter.

— Meus sapatos de rubi, presente da Dorothe? — A filha mais velha da Madrasta negou com um aceno. — Meus vestidos feitos pela Fada Madrinha?

— Foi o primeiro levado, tecido feito por fadas estava entre os itens mais caros do guarda-roupa número cinco. — Um grito de escárnio ecoou pela residência.

Sunoo e Anastásia taparam os ouvidos, a ruiva do País das Maravilhas apenas sorriu ladino, divertindo-se com o chilique. Ela gostava de ver princesas e rainhas mimadas sofrendo, talvez fosse parte do sadismo herdado de sua ancestral da realeza, que diferente do que muitos imaginavam, era bem menos escandalosa do que diziam. A Rainha de Copas apenas era excêntrica.

— Mas deixaram sua coleção de primavera do ano passado, está quase completa. — Essa era uma tentativa de apaziguar a dor da irmã, a única forma que Anastásia conseguia imaginar ser possível.

— Pelo menos isso.

Depois de quase mais uma hora de choro, ódio e muitos palavrões proferidos pela antiga princesa do sapatinho de cristal, todos os funcionários do banco foram embora. O pai de Sunoo chegou pouco depois, trazendo consigo sua pasta de documentos e uma caixa com tudo que restou da grande empresa construtora que havia herdado de seu pai quando se casou.

Não havia mais mesa para jantar, nem sofá para se sentar, muito menos camas em que se deitar. Todos os funcionários foram dispensados, com seus pagamentos pelos anos de trabalho ainda a serem pagos, sendo outra coisa a ser somada na dívida. A privada de diamante rosa de sua mãe havia sido uma das primeiras coisas levadas, então até o número de banheiros para usar estava reduzido. Até a manhã seguinte, não deveriam mais estar dentro daquela casa.

Espelho Espelho Meu - JakehoonOnde histórias criam vida. Descubra agora