09 de Dezembro - Beijo de despedida

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Hoje pela manhã eu acordei com uma dor muito forte no estômago, meu corpo não obedecia nenhum comando e eu só conseguia gritar de dor. A aura tentou de tudo: me deu os remédios e até fez massagem mas a dor só aumentava. O céu ainda estava bem nublado e caia uma leve garoa. A dor era tão aguda que eu comecei a ter diversos delírios, minha febre não parava de aumentar e aura começou a entrar em desespero.

Sabe? Como posso explicar, tudo comigo sempre termina em um fim trágico, seja eu quase morto ou eu no velório de alguém que eu gosto. Pai eu me lembro como se fosse hoje do terno que você usou no seu velório, os agentes funerários não permitiram que a gente visse o seu rosto, mas eu podia ver suas mãozinhas segurando um microfone dentro do caixão. Pai? Como que é? Dói morrer? Como você sabe que está morrendo? Eu já tive essa sensação mas eu não cheguei a morrer, como é saber que vamos morrer? O meu corpo não parava quieto e minha cabeça não parava de pensar. Eu então virei para a aura e disse:

-Aura eu não quero morrer, me leva para um hospital.

A aura então com as mãos na cabeça disse:

-Mas aí você vai voltar para prisão e eu, eu vou voltar para aquele homem.

Eu então olhei para a aura e com os olhos repletos de lágrimas disse:

-Tá doendo muito aura, tá doendo muito, por favor.

Depois disso eu me levantei e só me lembro de vomitar muito, eu vomitei o quarto todo e quando olhei para as minhas mãos e para o chão eu vi um mar de sangue. Eu não conseguia respirar e a aura ficou mais desesperada ainda. Eu então limpei a boca e entrei em estado de choque, naquele momento eu só conseguia pedir ajuda para a aura e ele correu para pegar a chave do carro. Essa sensação, essa é a sensação da morte né pai? É como se os ponteiros do relógio girassem sem parar, mas tudo anda em câmera lenta.

Nós fomos correndo para o centro da cidade e naquele momento a chuva começou a descer com força. A aura não suporta o som da chuva, ela diz que lembra os dias que ela ficava na escola militar, então ela ligou o rádio e começou a tocar a música "Lovely" da Billie Elish. O carro acelerava e a música começava a chegar no seu refrão. Nesse momento eu comecei a tossir desesperadamente e novamente saiu sangue pela minha boca e pelo meu nariz. A aura só sabia chorar e mal conseguia pensar. Eu então toquei no ombro dela e disse:

-Vai dar tudo certo aura, vai dar.

A aura então franziu a sobrancelha e acelerou mais ainda o carro. Nesse momento na frente da aura não existia mais nada, ela correu pela estrada como se no mundo existisse apenas nós dois. O meu corpo doía tanto e eu não queria desesperar mais a aura, eu estava com tanto medo. Pai? Mãe? Eu estou com tanto medo.

Chegando no centro da cidade nós nos deparamos com umas três viaturas da polícia. A aura então na hora do desespero deu ré com o carro e começou ali um dos maiores dramas que eu já presenciei.  A aura correu a quase cento e noventa por hora e a polícia veio acompanhando por trás. Pai eu não sei explicar, Ali eu sabia que eu ia morrer, eu senti isso.

A chuva aumentava e no rádio era possível ouvir a música "chasing cars" da Snow Patrol. Nesse momento eu e a aura caímos no choro. A aura então virou de lado, me deu um beijo molhado e enquanto dirigia foi abrindo uma caixinha preta que estava na gaveta do carro. Lá de dentro ela tirou uma pistola e carregou com algumas balas, depois abriu a janela e disse:

-Eu não vou deixar você ser preso Toomas. Se o Thales te pegar ele vai te matar. Me desculpe meu amor.

Depois disso ela mirou para fora do carro e disparou diversas vezes no carro da polícia que acabou batendo no acostamento. A chuva descia e as outras viaturas começaram a nos seguir mais rápido e começou uma intensa troca de tiros. Pela janela era possível ver as luzes que saiam da arma a cada disparo da aura, mas uma dessas luzes veio bem mais intensa, porém da direção oposta a da arma da boina rosa e como um rápido flash de luz uma bala atravessou o meu peito. Sabe pai, eu não sei explicar a sensação incrível que foi te abraçar, naquele momento quando eu caí sobre o cinto de segurança eu não consegui parar de enxergar o encontro das nossas almas, eu gostaria muito de ter permanecido mais tempo com você, mas antes que eu fosse para o teu encontro a aura puxou o meu corpo e gritou:

-TOOMAS! NÃO!

Depois disso a aura acelerou ainda mais o carro e parou de disparar nos policiais e logo em seguida limpou as lágrimas do olho e olhou para o meu rosto, eu só consegui observar aqueles olhos azuis enquanto um filme passava em minha cabeça. A Raquel, o Stein, o meu pai, a minha mãe, o Vincent, as crianças, todos, todos os que eu amam, eu naquele momento sabia que todos os que eu amava não estariam mais perto de mim, ou melhor eu não estaria perto deles. Eu fiquei olhando para os olhos da aura enquanto o carro corria a quase duzentos quilômetros por hora.

Já não era possível escutar o som do carro mas de fundo eu conseguia escutar a música "Je Te Laisserai Des Mots " do cantor Patrick Watson. Os meus olhos não se aguentavam e eu só senti uma grande vontade de dormi, mas eu naquele momento sabia que não podia. A minha barriga começou a dividir a dor com a ferida do meu ombro. Quando a bala atravessou o meu peito eu jurei que eu nem sequer voltaria, mas eu recuperei aos poucos a consciência. Como explicar tal fenômeno? É você pai? O senhor escutou as minhas preces? Se possível, não nos deixa morrer.

Eu fiquei rezando o tempo todo para não perder a consciência, mas quando eu olhei para a janela, ali eu vi que tudo tinha acabado. Estavam à nossa frente várias viaturas da polícia. A aura então se virou novamente para mim me deu um beijo, o beijo mais rápido e doce que eu já recebi e pisou com força no freio. Nesse momento tudo ficou em câmera lenta, o carro capotou e eu só consegui ver tudo girando. A Sirene da polícia, o rádio do carro, o barulho da chuva, tudo estava se misturando. Quando eu recuperei a consciência eu apenas escutei todos esses barulhos estourando no meu ouvido e quando eu olhei ao meu redor eu vi o carro completamente quebrado e a aura, a aura totalmente machucada, cheia de cacos de vidro no corpo e uma fonte de sangue escorria da cabeça dela. Eu não me lembro de mais muita coisa, apenas de algumas ambulâncias chegando e do boina verde me levando até o hospital enquanto estancava o sangramento do meu peito. Depois disso eu só me recordo do meu corpo entrando em pane. Sabe pai? Essa com toda certeza é a sensação da morte. Aura? Me desculpe!

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