Diário de um injustiçado

30 de Novembro - Jardim de lágrimas

Hoje pela manhã eu acordei um pouco mais cedo por conta que a doutora Helena estava me aguardando na sala dela. Um dos militares me levou até o consultório e eu sentei enquanto esperava a doutora Helena chegar. O consultório permanecia bem aconchegante e muito bonito. Agora aquelas borboletas traziam até um significado a mais, eu só consegui me lembrar do Stein.

Por volta de uns quinze minutos esperando, a senhorita Helena chegou, se sentou na cadeira e abriu um belo sorriso enquanto me cumprimentava. Logo depois a dona Helena disse que eu tinha uma visita me aguardando e logo depois o doutor Benjamin e o senhor Daniel entraram pela porta do consultório. A senhorita Helena então cumprimentou os dois com um beijo na bochecha e disse:

-Bom dia filhos.

Os doutores então se sentaram e nós começamos a conversar sobre alguns pontos. O Daniel jogou sobre a mesa alguns documentos sobre minha sentença e neles continham diversas mais diversas acusações: Homicídio em flagrante, feminicídio, desacato contra autoridade, tentativa de fuga, entre outros crimes que estavam manchando a minha imagem. Eu então olhei para os três e disse:

-Calma deixe eu ver se entendi. Você é mãe dos dois? Eu já não disse que não preciso de advogado? Por que estão me defendendo?

O benjamin então olhou no fundo dos meus olhos e disse:

-Eu te conheço Toomas, você nem perdendo a cabeça mataria alguém ou cometeria qualquer crime desse. A minha mãe está convicta disso também.

Eu confesso que eu não tive reação e apenas aceitei o que estava acontecendo. O doutor Daniel então começou a me explicar sobre futuros depoimentos e estratégias para diminuir minha pena que beirava os setenta anos de prisão. 

Ficamos horas conversando e pela tarde eu fui direcionado até a minha cela. O Stein e o Vincent estavam comendo o almoço de hoje que era um prato de macarrão com queijo. Isso tudo está parecendo uma grande utopia, eu não sei por que, mas me sinto em um sonho. Quem diria que eu iria para uma prisão tão boa como essa.

Quando o relógio do militar com cabelo branco marcava duas horas da tarde eu recebi um aviso de uma visita na recepção, hoje o dia foi todo recheado de visitas, mas essa foi um tanto quanto especial. Chegando na recepção eu me deparei com a Raquel, ela estava toda arrumada, completamente linda. Eu sei que já falei sobre a recepção e o jardim desse presídio, mas eu preciso escrever sobre ele de novo. Lá é lindo, as flores deixam o ambiente perfumado e aqueles banquinhos de vidro com bordas de madeira deixam o local muito confortável e foi em um banquinho desse que eu me sentei com a Raquel. 

O tempo parecia passar tão rápido e eu e a Raquel passamos os primeiros minutos apenas se olhando. Depois de um tempo, a Raquel colocou o cabelo atrás da orelha e seu rosto ficou completamente vermelho. Ela estava usando um brinco dourado com uma pérola bem verdinha e em seu pescoço tinha um lindo colar de carneirinhos. A Raquel então olhando para a grama e quase engasgando com as palavras disse:

-Toomas? Seja sincero, o que você acha de mim?

Eu não consegui descrever em palavras, me deu um verdadeiro branco e meu coração não parava de acelerar, mas como ela estava esperando uma resposta eu disse:

-Ah Raquel, você era uma grande amiga da Estella desde que eramos criança e eu sempre gostei bastante de você. Gosto dos seus olhos e te acho muito bonita.

A Raquel então com os olhos lubrificados por uma pequena gota de lágrima que se formava me disse:

-Sempre foi a Estella né Toomas? Você sempre foi apaixonado nela.

Eu então segurei nas mãos da Raquel e falei olhando para os olhos dela:

-Raquel eu não estou entendo o que você quer dizer.

Ela então com um sorriso triste no rosto me disse:

-Toomas desde que éramos crianças você não tirava os olhos da Estella, como você conseguia aguentar ela junto com o Adrus? Sabe Toomas a Estella também gostava bastante de você mas o coração dela gritava mesmo pelo Adrus.

Eu então apenas continuei escutando a Raquel contar algumas coisas sobre a Estella, mas uma coisa me fez entender sobre o que aquela conversa se tratava. A Raquel então parou, tocou no meu rosto e o acariciando disse:

-Toomas, eu era apaixonada por você, mas tudo era em torno da Estella. Toomas? Eu SOU APAIXONADA EM VOCÊ.

Ela então ficou mais vermelha do que já estava e voltou a mexer nos cabelos. Eu então olhei para os olhos dela e nós se aproximamos até ficar rosto com rosto, os olhos castanhos da Raquel brilhavam com o brilho do sol e o cheiro doce do perfume dela invadia o meu corpo. Eu então peguei nas mãos dela e disse:

-Desculpe Raquel, eu nunca consegui enxergar isso, eu sempre te vi como uma irmã para mim. Sabe? Eu não sei como explicar.

Ela então me empurrou levemente e olhando para os meus olhos disse:

-Chega a ser patético Toomas, mas mesmo com toda essa rejeição eu ainda tenho coragem de ser totalmente apaixonada por você, tudo, tudo que eu fiz por todo esse tempo não foi o suficiente para você pelo menos olhar para mim Toomas?

Eu então com as sobrancelhas franzidas respondi:

-Vai jogar na cara agora Raquel? Você veio me procurar porque quis, eu não te obriguei a nada e aquelas crianças, em que momento? Em que momento eu pedi para você adotar elas?

A Raquel então com os olhos cheio de lágrimas gritou:

-VOCÊ É RIDÍCULO TOOMAS, NÃO É SOBRE AS CRIANÇAS, COMO VOCÊ NÃO ENTENDE? DE UMA COISA O ADRUS TEM RAZÃO: VOCÊ É UM EGOÍSTA.

Isso me destruiu de uma forma gigantesca, eu não consegui pronunciar mais nenhuma palavra e caí de joelhos no chão, a Raquel, a Raquel me fez relembrar uma das maiores dores que eu já senti. Mas por um lado eu entendo ela, eu realmente nunca dei nem um pouco de moral para ela, simplesmente esqueci de tudo que ela fez.

A Raquel também não se aguentou e desabou totalmente no choro e saiu pela porta da recepção correndo enquanto enxugava as lágrimas. O meu mundo desabou naquele momento, eu não tive outra reação a não ser gritar:

-RAQUEL, DESCULPA.

Mas não adiantou, ela permaneceu correndo enquanto chorava. 

Após tudo isso os militares me levaram de volta até minha cela mas no caminho um militar com o uniforme completamente preto olhou para os meus olhos e disse:

-Você é o Toomas né? 

Eu me senti totalmente gelado, mas meus sentimentos estavam muito bagunçados, eu senti raiva, medo e muita mais muita angústia, mal liguei para a pergunta dele. Então com um toque brusco no meu peito ele falou:

-RESPONDE.

Nesse momento a Aura apareceu correndo e disse:

-Larga ele Thales, deixe ele em paz.

Depois disso ela ordenou que os militares me levassem de volta para a cela. 

Chegando lá, o Stein e o Vincent me olharam e já perceberam de cara que a minha visita não foi uma das melhores então apenas permaneceram calados. Eu não consegui conter as lágrimas e me ajoelhei olhando para parede enquanto desabei no choro. O Stein então se levantou e se ajoelhou do meu lado para me dar apoio e depois disso não lembro de mais nada, o tempo passou muito rápido e eu não consegui botar minha cabeça no lugar, para falar a verdade ainda não botei. Sabe diário? Eu errei, eu errei muito e a Raquel tem razão, eu sou egoísta. Mas por que diário? Por que?