Hoje o dia está nublado, pelo menos é assim que eu imagino. Eu já tive contato com você outras vezes diário, mas dessa vez eu não sei muito bem o que escrever, tudo aconteceu como um verdadeiro turbilhão. Sabe Toomas? Se puder me ouvir, não morra! Por favor, não morra.
Pela manhã eu recebi uma das piores notícias que eu podia receber, era o Toomas, como assim Toomas? Você fugiu do hospital? Toomas o que você tinha na cabeça? E aquela maluca da aura? Toomas? Eu não sei expressar a dor e o sufoco que eu estou passando. O Vincent neste período de tempo que você passou fora acabou passando mal e está na enfermaria, eu estou sozinho cara, o que você fez? Eu juro Toomas, eu juro que assim que você voltar eu vou te encher de porrada, eu vou te matar Toomas.
Não sei explicar eles apenas me chamaram para fora e me levaram até a sala de exames e contou brevemente o que aconteceu, além disso me interrogaram para tentarem descobrir algo a partir de mim, mas adivinha? Eu não sabia nada Toomas, você não me disse nada! Imagina o meu desespero, eu recebi a notícia que meu melhor amigo fugiu, sofreu um acidente e que agora se encontra cheio de ferimentos em um hospital e para piorar me entregam essa porcaria de diário que encontraram em uma poça de sangue do lado do carro. Que loucura é essa que você entrou cara?
Hoje eu decidi nem se quer encostar no prato de comida e muito menos na sobremesa, eu sei, me perdoe o diário então está do jeito que você gosta, todo organizadinho e com os acontecimentos detalhados, mas o diário agora não é mais seu, agora ele é meu. Pelo menos por um tempo.
Toomas se você soubesse o quanto eu te amo e o quanto eu fico feliz de ter te conhecido. Sabe? Eu até que fui uma criança feliz, pelo menos até todos aqueles fatos ocorrem, porém lá no fundo eu ainda tinha um pouco de felicidade no coração. Toomas? Você me perdoa? Me perdoe por não conseguir me abrir tanto contigo, é que eu tenho medo, eu tenho medo de sei lá, não sei como explicar, eu nunca fui muito de falar e sempre fiquei mais na minha. Lá na escolinha os meus colegas viviam zombando da minha cara por causa desse meu jeito mais introvertido, algo que é normal, eu apenas não curto essa ideia de ficar me abrindo para todos, porém fazer o que? Acho que essas chacotas acabaram me gerando esse trauma, esse medo de ter contato com os outros.
Diário? Aqui escrevemos de tudo, né? E ninguém precisa ver a não ser a gente. Então eu posso falar sobre algumas coisas pessoais contigo né? Sabe diário, eu nunca beijei, pelo menos não um beijo demorado como os de cinema. Eu sempre achei tão nojento, mas ao mesmo tempo tão bonito. Quando eu tinha por volta de uns nove anos, eu encontrei uma garota tão linda na rua, na verdade na calçada da escola dela. Toomas ela tinha um sorriso tão doce e aqueles cabelos claros completamente trançados. Eu não sei explicar Toomas, era ela, eu queria que meu primeiro beijo fosse com ela, eu queria casar com ela, eu queria ter filhos com ela, eu queria viver minha vida com ela. Eu sei, tudo faz parte da famosa "paixonite de infância", mas eu estava completamente apaixonado. Aquela garota sempre chegava no mesmo horário junto com os pais e depois sentava na calçada sozinha esperando o portão abrir. Ela vivia com um livro sobre ursinhos na mão e na sua boca sempre tinha um pirulito de chiclete. Certo dia eu fui até a casa da dona zumera, ela morava junto comigo embaixo de uma ponte bem grandona, lá tinha um montão de pessoas, mas a dona zulema era especial, ela era a minha segunda mãe. Ela que cuidava do Adrus enquanto eu tentava vender algumas balinhas no trânsito e naquele dia ela me deu o maior presente da minha vida. Toomas ela achou um lindo terno bege, o terno coube certinho em mim e eu me lembro de cada palavra da dona zumera, ela disse:
-Agora meu garoto está um gatão, vai lá garoto, vai conquistar a sua ursinha.
Eu estava tão bonitinho, ainda cheirando mal mas bem bonitinho. Eu então me ajeitei e fui caminhando porém o seu Aroldo, marido da dona zumera veio até mim puxou o meu terno e disse:
-Calma, nenhum garoto pode chegar com as mãos vazias em uma garota.
Depois disso ele tirou uma nota de dez euros do bolso e me entregou e por fim pegou um resto de perfume que guardava em sua cabeceira e passou em mim. Aquilo tudo foi tão especial para mim, ver o sorriso dos dois me deu tanta motivação, não sei nem explicar tamanha felicidade que eu estava sentindo. E para melhorar a dona zumera ainda preparou um bolo quentinho para mim comer, um bolo que só ela sabia fazer. Não tínhamos um forno grande, mas o seu Aroldo conseguiu arrumar um forninho velho que encontraram no lixo. Aquele dia eu andei pelas ruas vestido igual doutor. Com um terno no corpo, um pedaço de bolo na mão e uma caixa de bombom cheia de flores que eu peguei no jardim do mercado que eu torrei meus dez dólares. Depois disso eu fui todo sorridente atrás daquela garota, mas chegando lá eu não encontrei nada mais do que uma calçada vazia e isso acabou com o meu dia, eu voltei para casa desolado, porém no caminho eu encontrei ela lendo um livro sentada na calçada da biblioteca, isso me deixou tão feliz. Eu então fui correndo até ela e entreguei a caixa de bombom com aquelas flores já murchas. Aquela garota então olhou para mim, tacou a caixa de bombom no chão, amassou as flores e depois disse:
-Você é o menino que fica me olhando né? Aquele menino de rua, pobre. Credo eu não gosto de pobre e eu já tenho namorado. Saí daqui menino feio!
Depois disso, um garoto mais ou menos da nossa idade, porém um pouco maior que eu, apareceu com um sorvete na mão. Ele espalhou o sorvete no meu cabelo e me jogou em uma poça de água que tinha na rua em frente a biblioteca. Eu fiquei todo sujo e me sentindo o garoto mais humilhado do mundo e como se não bastasse eles ainda passaram por mim, cuspiram no meu terno e saíram rindo da minha cara. Depois disso nunca mais vi aquela linda menina dos cabelos trançados, uma garota linda por fora mas suja por dentro. Sabe Toomas? Naquele dia eu voltei para casa e passei a noite chorando no colo da dona zumera enquanto eu comia junto com ela a caixa de bombom. Aquela foi uma das piores noites da minha vida, eu era criança mas eu senti a dor, eu não sabia como me defender, entende? Primeiro meu pai me rejeitando e depois aquela menina. E aí se fosse só eles, toda a sociedade me rejeitou, rejeitou o meu irmão e rejeitou todos naquele abrigo embaixo da ponte. Toomas em uma certa noite a polícia acabou com aquela minha única família, eles levaram todos, levaram a dona zumera, levaram o seu Aroldo e todos os meus colegas. Eu só não fui levado por que corri muito junto com o Adrus. aqueles polícias levaram tudo o que eu tinha, tudo o que me restava. Então, Toomas? Não morra! Por favor, não tire mais uma coisa importante para mim, não morra.
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Diário de um injustiçado
Mystery / ThrillerToomas Herivan é um garoto nascido na Espanha, sendo conhecido pelo assassinato dos seus dois melhores amigos. O homicídio duplo virou tema de diversas manchetes de jornal pela cidade de Pamplona,fazendo com que Toomas recebesse o apelido de "sicári...