21 de Dezembro - Zona segura

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Hoje pela manhã eu acordei com um tubo na minha garganta, não faço a mínima ideia do que está acontecendo e só sei que pela noite minha saturação caiu quase por completo. A suspeita do senhor Derick foi comprovada e realmente estamos passando por um surto de influenza que está contaminando de forma agressiva a população, até apelidaram com o apelido de gripe espanhola 2.0 algo que soa como um humor errado certamente porém fazer o que né? Quando um apelido pega é difícil "despegar".

Aqui nessa sala todos estão de máscaras e equipamentos especiais. Não são um ou dois mas sim diversos presos que estão de quarentena com tubos na garganta e inaladores. Segundo o médico que está acompanhando o caso esse surto pode passar daqui algumas semanas e que com os cuidados necessários ninguém vai a óbito. Por sorte o Stein e o Vincent não apresentaram sintomas e estão longe de qualquer risco já que o bloco de celas está sendo higienizado todos os dias. Muitos militares também ficaram doentes, então estamos com defasagem de militares, porém agora as câmeras estão 100% focadas nos blocos onde se uma mosca passar na frente o alarme já aciona.

Agora são por volta das três da tarde e mal consigo comer um pedaço de pão, minha garganta parece ter espinhos e eu estou com um cansaço que parece que levei um chute no peito. Sabe diário, parece que eu estou me acostumando já com esse uniforme de doente, essa famosa roupinha que me deixa semi nu na frente de um monte de pessoas, isso é tão vergonhoso mas já estou até perdendo o constrangimento de tanto que estou usando.

Ontem enquanto eu estava desacordado eu acabei tendo uma série de sonhos e lembrei do dia que o Adrus foi lá na minha casa jogar vídeo game. Na época nós tínhamos uns quatorze anos e estávamos passando por aquela fase mais chata da adolescência onde tudo gera estresse. O Adrus vira e mexe ia lá em casa e passávamos o dia jogando vídeo game, isso quando ele não dormia lá e ficávamos a noite toda. Nesse dia em específico jogamos um jogo de luta enquanto o Adrus com o tempo foi se desmanchando e começou a ficar com os olhos cheios de lágrimas. Eu fiquei perdido, até então era difícil ver o Adrus chorando. Quando eu digo que o Adrus era um garoto forte e muito atraente eu não estou brincando, ele realmente não passava esse ar de fragilidade e vivia rodeado de pessoas mas nesse dia enquanto jogávamos eu dei o maior nocaute no personagem do Adrus e percebi que ele só não ganhou pois estava com os olhos cheios de lágrimas. Na hora eu apenas me arrastei até o lado dele, olhei para ele e o Adrus desabou em lágrimas no meu peito. Eu não sabia como reagir, apenas deixei ele desabar em choro. No fim da tarde nós comemos macarrão com queijo que só  minha mãe sabe fazer e fomos até o quarto novamente e lá o Adrus apenas pegou o cobertor e se cobriu, eu não pude me conter, então pulei em cima da cama dele que ficava do lado da minha na parte de baixo e comecei a fazer cócegas. O Adrus então com força me tirou de cima dele e me deu um soco no olho e para retribuir eu dei um chute na barriga dele, nós então ficamos um de cada lado olhando para baixo enquanto chorávamos  após uma bela de uma briguinha de garotos. Eu então com os olhos ainda lacrimejando e doendo disse:

-Mas que merda é essa Adrus? Por quê você me bateu cara?

O Adrus então disse com as sobrancelhas franzidas:

-Cala boca Toomas só fica quieto.

Eu então taquei meu travesseiro nele e disse com um sorriso de lado:

-fica quieto você.

O Adrus então gargalhou, pegou o travesseiro e tacou em mim de volta. Depois ele voltou a ficar triste e eu disse:

-Aconteceu algo né Adrus?

Ele então limpando as lágrimas falou:

-Toomas meus pais estão pensando seriamente em me mandar de volta ao meu país natal, segundo eles meus primos conseguiram um bom emprego e eu tenho praticamente uma oportunidade de me dar bem lá. Mas sabe Toomas? Eles já vieram para cá por conta disso então por que mudar de ideia de novo e ainda por cima me mandar sozinho?

É Adrus eu não soube como responder direito você então me perdoe por simplesmente ter ficado quieto e ter te obrigado a fugir comigo. Não sei nem como reagir a isso, sinto uma vontade imensa de rir mas pensando bem foi horrível a minha escolha, porém tu lembra de como foi? Eu e você no mesmo dia enchemos uma bolsa de salgadinhos, eu quebrei o meu cofre e a gente foi correndo até a rua e umas duas horas depois após um longo período de frio decidimos voltar. É Adrus, foi hilário e eu não me esqueço da cena de você fazendo xixi no mato e uma aranha sendo quase afogada por sua urina. Ah Adrus se eu pudesse voltar um pouco no tempo, que pena que tudo terminou como terminou.

Nessa brincadeira de sonhar e lembrar do passado eu nem vi a hora passar, agora já está de noite e os médicos já me trouxeram mais um prato de comida que está aqui quase mofando de tanta espera, não vou mentir aqui neste centro está sendo um tédio e um pacote você nunca sabe quando será entubado ou quando vai sair daqui em um saco preto.

Olha, para falar a verdade diário tudo que eu estou passando por um lado eu diria que faz parte do drama da minha vida. Algumas pessoas sofrem acidentes, outras conseguem alcançar um grande milagre e uns até chegam ao auge da carreira, mas eu estou preso, estou atrás de uma grade e o fato de ser um misto de injustiça e omissão da verdade vinda da minha parte eu acredito que torna essa passagem da minha vida um tanto quanto interessante. Diário? Me prometa diário, me prometa que essa história não ficará só entre eu e você. Sem dúvidas outros precisam ler só para ver quem nem sempre tudo sai como imaginamos, porém que com o tempo tudo se ajeita. Boa noite diário.

Diário de um injustiçado Onde histórias criam vida. Descubra agora