03 de Dezembro - Vestes de anjo

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Hoje assim que eu acordei eu tentei me levantar, porém eu mal podia me colocar de pé. Haviam dois militares na porta do quarto escuro. Eles estavam bem sérios e nem sequer olhavam para dentro. A porta estava semi-aberta e o chão do quarto todo encharcado.  Eu não podia conter o frio, eles tiram minhas roupas e me deixaram apenas com uma cuequinha que eles dão aqui no presídio. Elas são descartáveis e a cada semana eles nos entregam um kit com cinco, só para trocar e jogar a usada no lixo. Eu estava tão peludo, e pelo vidro eu consegui ver o tamanho do meu cabelo e da minha barba, eu estava parecendo um homem das cavernas.

Enquanto eu me admirava, um dos militares começou a falar com alguém do lado de fora do quarto e depois abriu a porta completamente. Naquele momento a luz novamente entrou de vez nos meus olhos e eu comecei a ver constelações de estrelas. Quando esse efeito passou eu vi caminhando até mim aquele jovem coroinha. Ele estava com a veste vermelha e branca na mão e um colar de chave no pescoço. Acredito que estava voltando da santa missa. O coroinha então se sentou na cadeira e ficou em silêncio. Eu confesso que não sabia o que falar, então perguntei educadamente:

-Olá, o que te trás até aqui? Você poderia me dizer que horas são?

O garoto então levantou, deixou a veste na cadeira de madeira e abriu a grande porta de vidro que me trancava. Logo após fazer isso ele se sentou no chão de vidro, encostou a cabeça na parede e fechou os olhos enquanto abria um sorriso. Eu então apenas observei o comportamento do menino e fiquei em silêncio. Os guardas nem sequer olharam para trás, permaneceram em posição. O menino então abriu os olhos e com a cabeça ainda encostada no vidro disse:

-Sabe Toomas, eu tenho apenas dezessete anos mas já passei por tanta coisa. Eu me lembro de quando eu era menor, eu corria muito, mas não corria por diversão, eu corria para fugir da polícia e hoje eu trabalho para eles. Não sei explicar Toomas, eu me sinto livre mas ao mesmo tempo me sinto preso pelas minhas emoções.

Eu então apenas continuei ouvindo o garoto sem nem se quer dizer uma palavra. O menino então olhou para mim, tirou uma maçã do bolso e lançou na minha direção, depois falou:

-Está com fome né? Ficou praticamente dois dias aqui. Come essa maçã.

Eu então peguei a maçã e comecei a saborear enquanto o coroinha me olhava com aqueles olhos castanhos escuro. Depois de um tempo ele desencostou a cabeça da parede, se sentou com pernas de índio e segurou os joelhos: me lembrou muito como eu me sentava quando eu era menor. Depois disso ele abriu um sorriso lindo com aqueles dentinhos separado e disse:

-Toomas? Você já beijou alguma vez? 

Eu então totalmente envergonhado respondi:

-Ehh, acho que sim.

Ele então deu uma gargalhada e falou:

-Sabe Toomas, o meu primeiro beijo foi com uma garota linda. Os olhos dela eram mais claros que o lindo céu azul. Eu sempre fui apaixonado nela e quando os meus lábios se encontraram com os lábios dela tudo começou a girar em câmera lenta. Ela me olhava com tanto apreço e eu me sentia tão especial.

Eu então com um sorriso de lado perguntei:

-E me diga, o que houve com ela? Vocês ainda estão juntos?

Ele então me disse com um belo sorriso e com os olhos brilhando por causa das lágrimas que queriam escorrer:

-Hoje ela não está mais comigo. Sabe Toomas, eu morava na rua e ela morava em um condomínio totalmente fechado. Os pais dela não gostavam de mim, mas ela não ligava. Toda vez que batia três da tarde ela pulava o muro e a gente ia correr na praça. Um dia eu consegui juntar algumas moedas e levei ela para tomar sorvete, nós ficamos tão felizes, o dia foi tão bom, mas sabe, tudo isso acabou quando ela começou a adoecer.

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