Diário de um injustiçado

22 de Dezembro - Lenço laranja

Hoje o céu, hoje o céu está lindo! Eles ampliaram a área dos doentes e me deram só mais uns três dias de recuperação. Aí me perguntam: Tudo isso por causa de um vírus da gripe? E eu respondo: sim! Tudo isso por causa de um vírus da gripe.

Sabe? Hoje de manhã mais uns sete presos foram levados de ambulância a um hospital e outros estão entre a vida e a morte, me refiro aos idosos. Com isso é possível entender o porquê dela ser tão perigosa, não tanto por nós jovens, mas por conta dos diversos idosos que estão presos aqui, o que coloca em risco a vida deles.

Pela manhã eu comi uma sopa de alface, sim, de alface! Pensa em um troço ruim e gosmento, uma das piores coisas que eu já comi, mas é como disse a Ayla, a doutora Ayla, aquela moça que me referi nas páginas anteriores, aquela bela enfermeira que me lembra minha mãe. Não sei explicar, ela é tão divertida e é apaixonada em jornais, algo que me impressiona já que ela é nova, mas quem sou eu para julgar? Logo um jornalistas julgando uma telespectadora? Segundo a Ayla o irmão dela também trabalha nesse ramo e é fanático por reportagens sobre prisioneiros, trabalhando inclusive em uma das maiores coberturas de fuga da Europa, algo que já me encheu os olhos.

Logo após uma série de exames os meninos vieram me visitar, os dois ficaram do outro lado de uma grossa parede de acrílico e para melhorar estavam de máscara. Sabe? Ver eles me causou uma série de emoções e diria que até fiquei melhor. O Vincent estava tão cansado e se sentou no chão junto ao Stein. Eu então os acompanhei e perguntei:

-Vincent? Você está doente, né?

O vincent então olhou para o Stein e o Stein tentou trocar de assunto, porém o Vincent deu um tapinha na mão dele e disse em voz baixa:

-Você já tem tantos problemas Toomas e não queria te deixar mais nervoso. Espero que entenda o motivo para eu não ter te contado antes. Eu tenho câncer Toomas.

Eu não pude contar o sentimento de confusão que eu estava e apenas olhei para baixo pensativo até então ele falou na lata, sem filtro e foi direto. O vincent então gargalhou e disse:

-Não é só isso! Meu último exame deu alterações e o médico suspeita que minha leucemia avançou, está mais agressiva.

Nesse momento o Stein se virou e disse:

-Essa parte você não me disse, caramba cara e nossa promessa?

O vincent então com os olhos cheios de lágrimas e um sorriso no rosto disse:

-Ta, tá bom! Deixa isso quieto! E você, Toomas? Você sabia que o pombinho apaixonado decidiu conversar com a Raquel?

O Stein então fechou a cara e disse sílaba por sílaba:

-Não muda de assunto não Vincent! E eu não vou me declarar.

O Vincent então riu e disse:

-Rapaz, se declarar? O negócio tá complicado hein, até ontem era só conversar.

O Stein na hora ficou vermelho e falou:

-Eu só não te bato porque você tem câncer.

O vincent então fechou a cara e olhou para o Stein, depois parecendo aquele emoji do palhaço disse:

-Ai jogou baixo hein, eu ainda sou forte e sem dúvidas ganho de você na luta.

Depois disso nós três ficamos rindo e o Vincent disse:

-Mas fiquem tranquilos, vaso ruim não quebra! Eu vou achar um doador Toomas, eu ainda irei achar um doador.

Eu então dei um sorriso de lado e falei:

-Vincent? Quem está cuidando do seu caso? Eu posso ajudar com algo?

O vincent então riu e disse:

-Quem cuida é Deus e se quiser me ajudar pague minha cirurgia e uma passagem para Veneza.

Eu então gargalhei e ficamos conversando sobre diversos assuntos completamente aleatórios. Antes deles irem embora o Stein olhou para mim veio bem pertinho do acrílico e disse ajoelhado:

-Toomas? Você acha que eu tenho chance mesmo com a Raquel? Eu sei que só sou um garoto, mas eu gosto realmente dela e não seria lindo todo dia de manhã acordar com o cheiro de café e de bolo de fubá? Aí eu ia até a cozinha, abraçaria ela e encheria de beijo e por fim eu bem sorrateiramente acordava os meninos e encheria eles de cosquinha. Sabe Toomas? Eu nunca pensei em namorar sério, entende? Não com a mente que eu tenho hoje, porém não seria ruim experimentar né? Nós temos o que? Oito ou nove anos de diferença? Qual o problema?

Eu então coloquei a mão no vidro e disse rindo:

-O problema é que você é pobre e feio, a Raquel só gosta de homens ricos e bonitos.

O Stein então ficou cabisbaixo e eu falei:

-É brincadeira cara, a Raquel é uma moça séria e não vou mentir também acho que vocês formariam uma bela família. Sabe Stein? Se é isso que você quer então vai! Não tenha medo.

O Stein então deu uma gargalhada e falou:

-Obrigado!

Na hora eu só pensei em abraçar ele mas como não podia apenas disse:

-Mas eu só aceito se eu for padrinho hen!

O Stein então com um sorriso meigo disse:

-Pode deixar! Mas eu quero que você pague minha lua de mel para o Brasil viu, de preferência para uma daquelas praias bem animadas.

Meu coração pulsou muito forte e eu disse com uma tosse rouca:

-Mas antes disso você precisa sair daqui né?

O Stein na hora fechou a cara e saiu sem dar nem um tchau e eu obviamente cai na gargalhada. Sabe Stein, é complicado se apaixonar né? É realmente complicado se apaixonar.

Após esse longo período de conversa eu fui comer alguma coisa e tomar um banho e enquanto a água escorria pelo meu corpo eu senti uma forte tontura e acabei caindo no chão. Eu não me lembro de muita coisa a não ser da Ayla pedir ajuda enquanto vários presos me viam nu no banheiro, acho que essa foi uma das coisas mais humilhantes que já aconteceram comigo. Eu então fui levado para fazer alguns exames e o médico recomendou que eu fosse realizar um raio x do tórax no hospital mais próximo e assim fiz. Peguei meus pertences, assinei uns papeis e fui para o hospital, pelo menos estou relatando como eu acho que ocorreu já que eu neste exato momento estou me despedindo do diário por conta que ele tem que estar no presídio por conta das perícias, então antes que me perguntem meninos, eu estou bem! Ou pelo menos acho que estou, esse hospital é tão gelado e o céu daqui também é nublado então não se preocupem comigo, eu amo vocês! Amanhã eu já estou de volta, boa noite meninos.