Capítulo 03: Testando a Imortalidade

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Nosso vampiro acordou pontualmente às 19h30, seus olhos se abrindo para a escuridão familiar da fábrica abandonada. Ele não sentia o peso da fadiga nem a necessidade de espreguiçar — algo que já não fazia parte de sua existência vampírica. Sem a respiração, sem o calor de um corpo vivo, ele apenas... acordava. A noite estava de volta.

A fábrica continuava com seu ar de decadência; paredes que outrora foram robustas agora exibiam rachaduras e sinais de abandono. O vento soprava através das frestas nas paredes, acompanhado pelo ocasional ruído de ratos correndo entre os escombros. Nada ali o incomoda. Muito pelo contrário, o ambiente sombrio e sujo era um reflexo de sua própria condição. Ele não precisava de luxo, apenas de um lugar onde a luz do sol não pudesse penetrar.

Antes de se levantar, Rafael percebeu que não estava mais sozinho. No centro da fábrica, dois vultos conversavam. Era Victor e Sofia, os dois anarquistas e, na medida do possível, o que ele podia chamar de amigos na vida de imortalidade anárquica, mas o termo parecia quase vazio nesse contexto.

Victor estava sentado em uma pilha de caixas enferrujadas, usando uma jaqueta de couro cheia de rebites e rasgos. Seu cabelo preto liso e comprido caía para um lado, cobrindo parte de seu rosto anémico. Encostado contra a parede de metal da fábrica, com fones de ouvido nos ouvidos, exibia a expressão distante de quem já havia desistido de se importar com qualquer coisa.

Sofia era a antítese de Victor, com seu cabelo rosa curto. Suas roupas eram uma combinação de meias arrastão rasgadas, minissaia xadrez e uma camiseta preta com estampa de um anime que já estava há muito fora de moda. Seus piercings no nariz e no lábio refletiam o fogo do seu cigarro.

Sofia foi a primeira a quebrar o silêncio.

— Aí está o príncipe das trevas do Araguaia, finalmente acordado - disse com um sorriso debochado, baforando fumaça. — Espero que tenha tido sonhos agradáveis.

Rafael balançou a cabeça com um leve sorriso no canto da boca.

— Não dá pra sonhar quando você se está morto — respondeu ele, tentando entrar no clima leve da conversa. Mas, por dentro, Rafael ainda sentia o peso de sua conexão inesperada com Jennifer.

— Vamos, vampirão, levanta. Não temos a noite toda — disse Sofia, levantando-se com energia. — Temos muito o que fazer.

Victor, ainda ouvindo sua música, olhou de relance tirando um dos fones.

— Você encontrou alguém suspeito ontem?

Enquanto se levantava, Rafael tem um flash de memória: Melissa, a caçada com ela, o momento de fraqueza e o desejo proibido que o havia dominado. Ele, no entanto, não deixava isso transparecer. Rafael podia confiar neles, mas também sabia que o mundo vampírico era traiçoeiro. Por mais que fossem amigos, era sempre bom ter cuidado. Aquela informação ficaria guardada dentro de si por enquanto.

— Nada significativo. Apenas alguns mortais desavisados se aventurando onde não deviam — respondeu.

Sofia soltou uma baforada de fumaça, o olhar atento em Rafael.

— Sei...

Ela se levantou e jogou o cigarro no chão, esmagando-o com o pé.

— Eu e Victor seguimos alguns daqueles borrões, eles nos levaram até um lugar inusitado.

Rafael assentiu, já esperando que algo assim acontecesse.

— Tá, e o que aconteceu depois?

Sofia deu de ombros, suas unhas pintadas de preto brilhando sob a luz fraca.

— Não sei, Victor me impediu de entrar em confronto, com todo o bla bla bla de ser mais estratégico. Então voltamos, e depois que descansamos, viemos até você.

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