silêncio

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Acordei com o sol filtrando pela janela e o silêncio em casa me atingindo como uma onda pesada. Exatamente na noite anterior, eu havia perdido não apenas minha esposa, mas também parte da família que construímos com tanto amor. A discussão ainda ecoava em minha mente, cada palavra ferindo como uma lâmina. A decisão de Andreia de partir havia deixado um vazio que parecia incabível no meu peito.

Levantei-me devagar, o corpo cansado, o quadro com o retrato de Andreia com os nossos filhos só fez minha mente ficar mais turva. O que eu estava fazendo? Como cheguei a esse ponto? Olhei ao redor da casa, cada objeto parecia carregado de memórias. A cozinha, onde havíamos preparado refeições juntas tantas vezes; a sala, onde costumávamos nos afundar no sofá ao final do dia cheias de risadas e abraços; tudo me lembrava o quanto eu havia falhado.

E então, a porta se abriu, e Cecília entrou. Com seus dezessete anos, ela já tinha uma presença tão forte e uma postura que a fazia parecer ainda mais madura do que a idade indicava. Mas, ao olhar para ela agora, vi algo mais, uma desilusão que me cortou o coração.

Cecília: Mãe, posso falar com você?

a voz era firme, mas eu podia sentir a tensão embutida nas palavras. Era como se ela estivesse pronta para uma batalha, e eu me senti incapaz de lutar.

Sofie: Claro, querida. O que você quer?

Perguntei, tentando soar tranquila, mas a dor ecoava em minha voz.

Cecília: Eu não entendo. Por que você deixou a mamãe ir embora? Você realmente não se importava mais com ela? Com a gente?

A acusação na sua voz me deixou sem ar. Não era apenas a minha dor, agora estava sendo esmiuçada pelas palavras de minha filha.

Sofie: Cecília... não é assim que as coisas aconteceram.

comecei, mas ela não me deixou continuar.

Cecília: Não é? Você ficou tão atolada no trabalho e em seus problemas, que esqueceu de nós. Eu estou farta de ver você agir como se nada importasse! Se continuar assim, talvez eu deva ir morar com a outra mamãe!

suas palavras cortaram como facas afiadas.

Sofie: Por favor, não fale assim.

implorei, sentindo as lágrimas ameaçarem escapar.

Sofie: Eu amo vocês duas, mais do que consigo expressar. Eu... eu só não sei como consertar isso.

Cecília: Consertar? Você realmente acha que é assim que funciona? Você só sente falta da mamãe quando ela não está aqui. E agora, você está deixando isso tudo acontecer porque não quer lutar por ela!

A dor na voz de Cecília ressoava em mim, cada palavra uma lembrança do que havia perdido.

Sofie: O que você quer que eu faça?

eu me perguntava, angustiada.

Sofie: Como posso mudar o que já aconteceu? Eu gostaria de ter feito diferente, mas as coisas... as coisas só aconteceram de uma forma que eu não consigo controlar.

Cecília: Mãe, tudo o que eu vejo é você se afastando ainda mais. Você deixou a mamãe ir sem lutar. Ela queria você! Queria que você se importasse! Agora, eu não sei se você se importa, e isso é definitivamente mais doloroso do que qualquer outra coisa. Será que eu serei a próxima a ser esquecida?

A cada palavra, a própria realidade me atingia. A culpa começava a consumir aquele desgosto que eu já sentia.

Olhei para minha filha e a enxerguei ali, tão próxima e tão distante. Era doloroso ver sua revolta, mas eu sabia que ela estava certa.

Os Olhos Cor ChocolateOnde histórias criam vida. Descubra agora