Noite de jogo (capítulo curto)

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Melissa:
Eu estava em frente ao espelho, ajustando a camisa verde do Palmeiras. O emblema bordado no peito sempre pesava um pouco mais em dias como esse. Era o jogo de volta contra o São Paulo, no Allianz Parque. Decisivo. Todo mundo dizia que era só mais uma partida, mas eu sabia que não.

Enquanto amarrava o cabelo no meu rabo de cavalo de sempre, senti um frio leve na barriga. Aquele nervosismo que só vem antes de momentos grandes, quando você sabe que precisa dar tudo de si. Era a minha chance de deixar uma marca nova, não apenas para o time, mas por tudo que eu represento.

Ouvi a porta do quarto abrir devagar. Só pelo som dos passos eu sabia que era dona Candelária. Ela sempre tinha um jeito silencioso de entrar, como se cada aparição dela carregasse uma espécie de ritual. Meu coração se aqueceu antes mesmo de ela dizer qualquer coisa.

- "Procurando minha estrela..." - disse, baixinho, como quem encontra o que mais ama no mundo.

Eu me virei e a vi sorrindo daquele jeito que só vó sabe sorrir: com amor e saudade ao mesmo tempo. Mas ela não parou ali. Caminhou até mim e se posicionou atrás, colocando as mãos nos meus ombros, me olhando pelo reflexo no espelho. Era impossível não ver o quanto os olhos verdes dela brilhavam, como se enxergassem algo além do presente.

- "Olhando assim... é como se eu tivesse a cópia idêntica do meu Edgar bem na minha frente."

Meu coração deu um nó. Meu pai. Mesmo depois de tantos anos, só ouvir o nome dele fazia meu peito apertar. Fiquei quieta, porque sabia que a vó precisava falar. Sempre que ela falava do meu pai, era como se estivesse trazendo ele de volta, mesmo que só por alguns minutos.

- "Você tem ideia de como é perfeita, querida?" - A voz dela saiu com uma ternura que quase me desarmou. - "Seu pai era exatamente assim quando tinha sua idade. Um verdadeiro príncipe. Era tão bonito... até me dava inveja, de tão perfeito. Herdou 80% da beleza do seu avô. E agora, olhando para você, vejo tudo isso de novo."

Ela falava com tanta certeza que eu quase pude vê-lo ao meu lado, como se a presença dele estivesse impressa em mim de alguma forma. Meus olhos começaram a arder, mas eu continuei olhando para ela através do espelho, segurando firme.

- "Edgar ficaria tão orgulhoso de você, minha Lissa..." - A voz dela falhou um pouco, mas ela respirou fundo e seguiu. - "Sempre dizia que teria uma primeira filha mulher incrível. E olha só pra você. Como seu pai, virou Jogadora, e jogadora de um dos maiores times do Brasil. Forte, com uma beleza estonteante, determinada. Tudo que ele sonhou. Tudo que ele fez quando jogava futebol.

Eu não consegui segurar o nó na garganta. Era raro a minha abuela falar do meu pai com tanta profundidade. Na maioria das vezes, ela guardava essas lembranças só pra ela. Mas hoje, por algum motivo, ela precisava me lembrar do quanto ele estaria orgulhoso.

Ela passou a mão no meu cabelo, tirando uma mecha teimosa da frente do meu rosto. Como se aquele toque pudesse me preparar para qualquer coisa que viesse.

- "Eu sei que você sente falta dele, minha estrela. E eu também sinto." - Ela tocou de leve meu peito, bem onde o escudo do Palmeiras estava. - "Mas ele está aqui, Melissa. Ele nunca te deixou. E cada vez que você pisa naquele campo, você honra a memória dele. Nunca esqueça disso."

Fechei os olhos por um instante, tentando segurar a emoção. A saudade apertava, mas o que a minha vó disse também trouxe uma sensação de paz que eu não esperava. Era como se, de alguma forma, meu pai estivesse realmente comigo, invisível, mas presente em cada passo que eu dava.

- "Eu só queria que ele estivesse aqui..." - sussurrei, sem conseguir evitar.

Ela me puxou para um abraço apertado, e naquele momento eu senti o peso de tudo se esvaziar um pouco. Não era só um abraço. Era uma âncora, um laço que me conectava com a história da minha família, com o amor do meu pai e com a força da minha avó.

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