Sangue do Dragão

O Ladrão de Rainhas

   Terei que roubá-la, Jon considerou quando retornou para a solidão de sua cela na Torre dos Fantasmas. Ela jamais virá comigo se eu pedir. Teria que fazer como o Povo Livre.
  
   Gostaria de conseguir ver as estrelas dali, pois sabia que quando o Ladrão se encontrava na Donzela da Lua, isso queria dizer que era uma época propícia para um homem raptar uma mulher. Tormund gostaria de vê-lo agora, planejando como roubaria a mulher que amava. Você é um de nós, garoto, ele diria com sua voz retumbante, embora Jon Snow não soubesse mais o que ele era. Gostaria também de saber se estavam bem ou para onde Daenerys os enviara depois que deixaram Winterfell. Mas aquilo era algo para depois, se houvesse um depois para ele.

    Agora precisava pensar em como atraíria a rainha e avaliar os riscos, afinal, ela não era uma rainha qualquer, mas uma rainha que o odiava até o último fio de cabelo e que podia simplesmente transformá-lo em torresmo.

    Mas talvez chegar até ela fosse o menor de seus problemas. Por alguma razão que ele desconhecia, Daenerys raramente andava escoltada pelo castelo e ele sabia que ela costumava ir à Torre das Lamentações, ajudar a cuidar dos doentes. Parecia a oportunidade ideal para fazê-la escutá-lo.

    O quarto estava frio e o cheiro pugente dos excrementos dos morcegos nos andares superiores queimava suas narinas, então decidiu acender a lareira enquanto Fantasma se empoleirava aos pés de sua cama lambendo uma das patas dianteira.

- Você ouviu o que ela disse, Fantasma. Ela quer você longe - falou para o lobo gigante quando fogo enfim brilhou no quarto - Mas terá que me ajudar dessa vez. Foi ideia sua que voltássemos para cá.

    Quando Fantasma voltou-se para o castelo, Jon não teve outra alternativa a não ser segui-lo.

    Agora o lobo olhou com seus olhos vermelhos e Jon sentou-se de pernas cruzadas diante dele enquanto a madeira estalava ao serem consumidas pelas chamas.

- Também não sei se isso é uma boa ideia, não que você se importe não é - ele continuava perseguindo Daenerys, mesmo depois de tudo o que ela dissera e apesar de todo o sofrimento de Jon ao descobrir que não tinha apenas o sangue dela nas mãos. A simples recordação o fazia estremecer - Não sei se podemos confiar naquela sacerdotisa - Fantasma pelo menos teve a decência de lamber sua mão - Mas não temos nada a perder, não é mesmo?

    Jon ainda duvidava que Daenerys pudesse ouvi-lo, quanto mais acreditar que ele não a matara, não de verdade. Ela ficará furiosa, irá corar daquele jeito encantador e me acusará de mentiroso ou coisa pior. Terei que lutar com ela e suportar a sua ira, a ideia o deixava animado de um jeito curioso, mas sabia que seria a tarefa mais dura daquela loucura e muito provavelmente fadada ao fracasso. Era mais fácil ela me esfolar vivo conforme tinha prometido.

    No entanto, se houvesse uma chance para os dois, se ele tivesse a oportunidade de contar tudo o que sabia sem a possibilidade de que fossem observados, ele tentaria. Seria bom ser reconhecido como Jon Snow, o ladrão de rainhas, ao invés de Jon Snow, o regicída. Seria melhor ainda se ela me perdoasse...

    Tirou as peles que havia usado para deixar o castelo com um suspiro e deitou-se na cama enrolando-se em suas peles de dormir usando apenas calções, túnica e roupa interior para obter mais calor, mas dormir foi tudo o que ele não conseguiu fazer.

    Seus pensamentos giravam e apesar de certa excitação com a possibilidade de revê-la e contar tudo, Jon ainda sentia-se febril em seu âmago.

    Estava grávida quando me traiu daquela maneira vil. Não que se importe, sei que deve enojá-lo, mas é a verdade.

    Como ele não se importaria ou sentiria nojo daquilo? Como conviveria consigo mesmo sabendo que não fora somente ela que machucara, mas também algo gerado do amor deles?

     Revirou-se na cama dura, sentindo-se agitado. Não existia mais o amor deles ou bebês. Tudo fora arruinado, envenenado. Farei papel de tolo se contar, ela nunca irá acreditar...

   Algo levemente áspero lambeu seu rosto e ele abriu os olhos pois sabia que era Fantasma.

- Isso são horas?

   O lobo gigante sentou-se sobre os quartos traseiros agitando a cauda felpuda.

- Quer dormir comigo?

    Fantasma não cabia na cama, mas Jon considerou colocar o colchão de palha no chão para que dormissem juntos, devia ter feito isso antes de se deitar e sentir-se sonolento. Os olhos do lobo o fitavam como duas luas vermelhas, profundas e infinitas...

    Sentou-se de súbito, lembrando-se de todos os sonhos que tivera com Daenerys e aquela lua de sangue. Sonhos que pareciam tão reais, como se suas almas estivessem tão profundamente fundidas que conseguiam caminhar no sonho um do outro.

- Pelos deuses, Fantasma, será possível?! Aquilo tudo foi real?- perguntou ao lobo e recebeu silêncio como resposta - Esse tempo todo...

   Estivera tão consumido por seus sentimentos ao saber que ela estava viva que foi incapaz de pensar em qualquer outro detalhe que não fosse ela, mas ali estava. Deixou a cabeça cair de volta sobre o travesseiro duro, olhando para o teto escuro da cela:

- E houve aquele dia... em Castelo Negro, em que a vi diante da Árvore Coração. Daenerys estava... grávida...