54 - Fernando Alonso

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"Por você, eu me esgotaria completamente

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"Por você, eu me esgotaria completamente."

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A pista estava silenciosa, como se o tempo tivesse parado. O zumbido dos motores, que tanto preenchia o ar nas tardes agitadas de corrida, agora era apenas uma lembrança distante. Eu caminhava ao lado de Fernando, suas mãos entrelaçadas com as minhas, sentindo a tranquilidade do momento tomar conta de nós. Era o tipo de silêncio que só existe quando o sol começa a se pôr, tingindo o céu de tons alaranjados e dourados, enquanto a pista, já deserta, parecia estar em espera.

Ele estava diferente. Eu o conhecia bem o suficiente para perceber as sutilezas que compõem o ser humano além do piloto. Não era mais o Fernando Alonso imortalizado nas câmeras e nas telas de televisão. Não era mais aquele homem constantemente sob os holofotes, com os olhos focados no futuro imediato. Era apenas Fernando, o homem ao meu lado, respirando o ar fresco da tarde e compartilhando a sua presença de uma forma tão simples quanto profunda.

— Eu sempre gostei de vir aqui depois que as corridas acabam — ele disse, sua voz calma e suave, o que contrastava com a energia que ele costumava exalar nas pistas. — A pista se torna outra. Vazio, silencioso, como se a própria estrada estivesse refletindo sobre tudo o que aconteceu ali. E ao mesmo tempo, parece que ela está pronta para a próxima batalha. Esse paradoxo... é uma coisa que me fascina.

O sol estava baixo, agora, quase tocando a linha do horizonte. As cores no céu eram quentes, preenchendo o ambiente com uma sensação de fim de ciclo, de despedida. Ele olhou para o lado, seus olhos se perdendo nas nuances do pôr do sol, mas eu percebi que ele não estava apenas observando a paisagem. Ele estava mergulhado em pensamentos, em memórias de uma carreira que atravessou décadas.

— Correr aqui... em Montoya, na Espanha, em Mônaco, não importa o lugar — ele continuou — Sempre tem algo de especial. Mas é aqui, neste silêncio, que eu consigo colocar tudo em perspectiva. Você percebe, né? Como o barulho da multidão, o cheiro da gasolina e a vibração dos carros parecem desaparecer quando você está sozinho. Não é que eu não goste do barulho. Eu vivo para ele, mas há algo de imensamente poderoso em momentos como esse.

Eu apertei sua mão com mais força, não como um gesto de carinho, mas como uma forma de transmitir que estava ali, com ele, como sempre estive, mesmo nos momentos mais agitados da sua carreira. A carreira que o levou de um garoto prodígio na Fórmula 1 a um dos pilotos mais respeitados e vitoriosos da história do esporte.

Fernando tinha uma trajetória fascinante. Depois de sua ascensão meteórica com a Renault, que culminou em dois campeonatos mundiais, ele tomou decisões ousadas, como sua mudança para a McLaren em 2007, antes de retornar à Renault e, eventualmente, enfrentar novos desafios com a Ferrari. Mais tarde, após um período fora da Fórmula 1, ele voltou ao esporte em 2021, com a Alpine, uma decisão que foi recebida com uma mistura de ceticismo e admiração. No entanto, em 2023, Fernando surpreendeu a todos ao se juntar à Aston Martin, onde continuou a desafiar as expectativas e a mostrar que ainda tinha muita habilidade e determinação para oferecer. Cada escolha ao longo da sua carreira foi cercada tanto de críticas quanto de admiradores, mas ele nunca se deixou definir por sua idade ou pelas expectativas alheias.

— Você sabia que, mesmo depois de mais de 20 anos, eu ainda fico nervoso antes de cada corrida? — ele perguntou, com um sorriso nostálgico. — É uma sensação estranha. A pressão, o peso de ser sempre o melhor. Eu acho que, às vezes, as pessoas pensam que a gente se acostuma com isso, mas é uma mentira. Não se acostuma. Eu nunca me acostumei.

Eu sorri, um sorriso pequeno, mas que transbordava compreensão. Ele era um dos maiores nomes da história do automobilismo, mas, mesmo assim, suas inseguranças e os medos eram tão humanos quanto os meus. Era reconfortante saber que até os mais fortes têm suas batalhas internas.

Caminhamos mais alguns passos, e agora estávamos próximos da linha de chegada, um lugar tão simbólico, mas ao mesmo tempo tão cheio de significados múltiplos. Ele parou e olhou para o asfalto à sua frente, como se a linha amarela que dividia a pista em dois mundos contasse toda a sua história, de vitórias e derrotas, de alegrias e decepções.

Aqui, na linha de chegada, ele parecia mais vulnerável, mais aberto. Seu olhar estava distante, mas havia um toque de serenidade em seus olhos que eu raramente via. Ele pegou minha mão com mais força e, por um momento, o silêncio tomou conta de nós.

— Esta linha — ele começou, sua voz baixa —, representa tudo o que fiz na minha carreira. Cada vitória, cada momento de conquista... E também cada falha. Mas sabe o que mais? — ele pausou, olhando profundamente nos meus olhos — Hoje, ao seu lado, essa linha parece menos importante.

Eu fiquei em silêncio, tentando entender o que ele queria dizer. Não que a linha de chegada fosse menos significativa para ele – isso jamais. Mas, talvez, o que ele estava tentando comunicar era que, em meio a tantas vitórias, a verdadeira linha de chegada era algo diferente. Algo mais íntimo.

— Eu sei que isso pode soar estranho — ele continuou —, mas há momentos na vida em que você percebe que o maior prêmio não é o troféu ou o reconhecimento público. É quem está ao seu lado. Quando você encontra alguém que faz o resto parecer secundário, quando a vitória mais importante é estar com quem você ama.

Eu o olhei, sentindo meu coração bater mais forte. Aquelas palavras, carregadas de significado, eram mais do que eu esperava ouvir de alguém que viveu a vida tão imerso em competição. Era como se ele estivesse revelando uma parte de si que raramente se mostrava. Ali, naquele momento simples, à beira da pista onde ele havia dado tudo, ele estava compartilhando algo ainda mais precioso: sua vulnerabilidade, seus sentimentos mais profundos.

— Fernando... — comecei a dizer, mas ele me interrompeu, como se soubesse exatamente o que eu estava pensando.

— Eu sei o que você vai dizer. Eu sou um piloto. Sempre fui. A competição está na minha essência. Mas, às vezes, a gente precisa dar uma pausa e se lembrar de quem somos fora da pista, não é? E, ao estar aqui com você, eu percebo que, de alguma forma, já cheguei à minha linha de chegada. O resto... o resto é apenas o que vem depois.

Ele sorriu, um sorriso genuíno e tranquilo, e, por um momento, o mundo ao nosso redor parecia ter desaparecido. Não havia mais o peso das corridas, não havia mais o público exigente ou as câmeras, apenas nós dois. E, de alguma forma, naquele instante, Fernando parecia mais em paz do que nunca.

Eu não precisei dizer nada. O silêncio entre nós agora era mais do que suficiente. Ele não estava mais falando sobre corridas ou vitórias; ele falava sobre algo que transcende tudo isso: a busca por algo que realmente valesse a pena, algo que fizesse cada esforço valer a pena.

— Eu nunca imaginei que um dia teria esse tipo de reflexão — ele disse, ainda olhando para a linha de chegada. — Mas hoje, ao seu lado, percebo que talvez a maior vitória da minha vida seja justamente essa.

Eu o puxei para mais perto, sentindo o calor da sua mão entrelaçada com a minha. E, ali, sob o céu dourado, com a pista vazia à nossa frente e o vento suave acariciando nossos rostos, eu soube que aquele pôr do sol, aquela linha de chegada, significavam mais para ele do que qualquer vitória em um pódio.

Porque, afinal, quando você encontra o lugar onde realmente pertence, a corrida nunca termina. Ela apenas se transforma.

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