68 - Encontro com o Passado (AYRTON SENNA)

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In Memoriam

"Perdão não significa esquecer, significa seguir em frente

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"Perdão não significa esquecer, significa seguir em frente."

***

A casa Senna tinha sempre um efeito estranho em mim. Por mais que fosse um lugar imponente, rodeado por lembranças e histórias de glórias, havia uma sensação de abandono e distanciamento que me acompanhava cada vez que eu entrava ali. Eu nunca me senti em casa naquele lugar e ao contrário do que muitos poderiam pensar, eu não era uma visitante ilustre. Eu era apenas a lembrança silenciosa de algo que ninguém queria realmente tocar.

Quando Viviane me ligou pedindo para ir ver a avó, eu sabia que não poderia mais fugir. Minha avó estava morrendo e eu não sabia se essa seria minha última oportunidade de encontrar respostas para o que me atormentava por toda a vida. Eu não esperava redenção, nem simpatia. Eu esperava apenas encerrar um capítulo da minha vida que parecia, para todos, nunca ter existido.

A casa estava silenciosa, exceto pelo eco dos meus passos enquanto eu caminhava pelo corredor até o quarto de minha avó. Eu podia ouvir o som do vento batendo nas janelas, como se o tempo quisesse se arrastar. O medo e a raiva ainda estavam presentes, mas algo mais profundo agora tomava conta de mim. Uma dor silenciosa, como se as palavras não ditas entre nós se acumulassem e se transformassem em algo maior.

Quando entrei no quarto, minha avó estava deitada na cama, pálida, mas com os olhos ainda vivos, buscando algum tipo de compreensão. A expressão dela não era de culpa, mas de arrependimento. Algo que eu nunca imaginei ver e que de certa forma, me fez querer me afastar ainda mais.

Ela me observou em silêncio por alguns segundos antes de quebrar o silêncio.

— Você está linda, Sn — disse, sua voz fraca, mas clara. — Não parece com ele. Você parece com sua mãe, mas seus olhos... seus olhos me lembram tanto o Ayrton.

Eu me afastei um passo, sentindo a tensão aumentar entre nós. Estava difícil encará-la. Tinha tantos sentimentos presos dentro de mim, tantas memórias não resolvidas. Como poderia olhar para a mulher que, ao longo de toda a minha vida, foi uma estranha? Como poderia olhar para a mãe de alguém que nunca foi meu pai, que nunca me deu um pedaço de si?

— Por que você nunca tentou me conhecer? — a pergunta saiu mais amarga do que eu pretendia, mas o peso das palavras era inevitável. — Por que, durante todos esses anos, você me tratou como se eu fosse um peso? Como se eu fosse uma lembrança incômoda do Ayrton?

Ela fechou os olhos por um momento, como se estivesse tentando reunir forças para as palavras que viriam.

— Eu não sabia como lidar com isso, minha neta — ela disse, a voz quebrada. — Quando você nasceu... Quando a Rose decidiu ter você, eu não soube como encarar. Eu não queria ver o Ayrton em você, Sn. Eu não queria ver uma versão dele depois de tudo o que aconteceu. Você me lembrou demais a dor que eu carregava, e eu te afastei, porque não queria te dar a chance de me ferir mais.

Aquelas palavras caíram como um peso no meu peito. Eu não sabia o que responder. Como uma pessoa pode se esconder atrás de sua própria dor por tanto tempo, sem se importar com o sofrimento que causa aos outros? Era difícil para mim, talvez até impossível, entender a dor de alguém que jamais se esforçou para me entender. Mas então, algo na sinceridade da sua voz me fez parar para pensar. Talvez fosse o fim da vida dela, talvez fosse o medo do arrependimento tardio. Mas alguma coisa me fez questionar se eu deveria continuar afastada, se ainda valia a pena me manter distante da família Senna.

— Você acha que pode me pedir perdão agora e tudo vai ficar bem? — Eu falei, tentando segurar a emoção que ameaçava escapar. — Você nunca tentou ser minha avó. Nunca tentou saber como eu estava, como eu me sentia. Nunca pensou no que tudo isso significava para mim. Para minha mãe.

Ela me olhou, o olhar cheio de tristeza, mas também de algo mais profundo: uma súplica. Ela parecia querer me tocar, mas sabia que não podia. — Eu sei que não tenho direito de pedir perdão. Eu só... só queria que você soubesse que sinto muito por tudo o que te fiz. Por ter sido tão distante, por te tratar como se você fosse só uma lembrança de algo que eu não queria mais lembrar. Mas Sn, eu te amo. Eu te amo do jeito que eu sei, do jeito que posso agora. Eu sei que o tempo passou e que talvez seja tarde demais, mas queria que você soubesse que, se pudesse voltar atrás, faria tudo diferente.

Eu fiquei em silêncio, tentando processar as palavras dela. O peso de tantos anos de rejeição, de mágoas e ressentimentos, estava começando a se dissipar, mas de forma lenta, como se fosse um longo caminho a ser percorrido. E por mais que eu tentasse, não sabia como reagir a isso. A dor era grande demais para ser resolvida com simples palavras.

— Eu não sei o que fazer com isso — disse, sentindo minha garganta apertar. — Você não me conhece. Você nunca tentou me conhecer. Você só me olhou como uma lembrança, como uma carga. E isso... isso não é justo.

Havia uma tristeza profunda nos olhos dela, algo que eu nunca pensei que veria. Ela sabia que não podia voltar atrás. Mas naquele momento, eu percebi que o perdão não era para ela. Não era uma reconciliação instantânea. Era algo que eu tinha que buscar dentro de mim. Eu tinha que me perguntar se eu queria continuar guardando tudo isso ou se estava disposta a abrir mão de um pedaço da dor, da raiva, que me consumia.

Antes de sair do quarto, eu parei na porta e olhei para trás. Minha avó ainda estava deitada, os olhos cheios de arrependimento, mas também de uma calma que só a morte poderia trazer. Eu não sabia se conseguiria perdoá-la algum dia. Eu não sabia se conseguiria abrir meu coração e aceitar tudo o que ela me disse. Mas naquele momento, algo em mim se quebrou. Talvez fosse o medo de perder uma chance de cura. Talvez fosse apenas a realidade de que não havia mais tempo para voltar atrás.

Enquanto saía do quarto e caminhava pelos corredores da casa, algo chamou minha atenção. Eu passei por uma sala cheia de fotos, troféus e lembranças de Ayrton. Aquele era o mundo dele, aquele era o legado que eu tinha tentado evitar durante toda a minha vida. Mas agora, enquanto olhava para as imagens de meu pai, algo me tocou. Pela primeira vez, eu senti uma conexão com ele. Não uma conexão romântica, nem idealizada, mas algo mais simples e humano. Ele não estava ali para me abraçar ou me proteger. Mas, de alguma forma, ele era parte de mim. Ele fez parte da minha vida, mesmo sem nunca tê-la vivido ao meu lado.

Eu respirei fundo, tentando lidar com o turbilhão de emoções que tomava conta de mim. A casa Senna, com todas as suas glórias e tristezas, estava me forçando a confrontar não só a minha avó, mas a mim. A história que eu tentava fugir estava me alcançando. E talvez, eu tivesse que aprender a aceitá-la. Ao menos por respeito a um homem que, embora ausente, sempre foi parte de mim.

Talvez fosse hora de deixar de lado a raiva e começar a compreender que, no final, todos nós somos um reflexo das nossas escolhas, do que decidimos guardar e do que decidimos perdoar.

***

Continua...

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