Entre Ruínas (Vol. 2)

Capítulo 51

Stella Lancellotti

Eu senti um cheiro delicioso e intenso de algum tipo de flor invadir o ambiente ao meu redor. Ao abrir meus olhos demoro uns segundos para me dar conta de que estou em um jardim imenso coberto por lírios de cheiro forte.

Me sentei e observei o lugar, confusa, pois pensei que voltaria para o loop das memórias daquela noite, mas estou em um lugar calmo demais para ser aquela mansão com gritos ensurdecedores da minha família.

Respiro fundo me jogando de novo no chão de terra confortável sentindo a calmaria daquele lugar em questão.

— Você não é muito curiosa, não é?

Choramingo sem me dar o desprazer de abrir meus olhos e me deparar com a dona da voz.

— Me deixe em paz, Atenas. Não vê que estou curtindo um pouco da paz deste lugar?

— Este lugar é meu, querida. É minha paz e você está usufruindo dela. — acusa com um tom zombeteiro.

Reviro os olhos com eles ainda fechados.

— Você rouba minha paz desde que entrou na minha vida, nada mais justo que eu roubar a sua agora.

— Justo. — concorda rindo baixo.

Sinto o corpo da mulher se deitar ao meu lado e ali permanecer. Mantive meus olhos fechados e meu corpo o mais relaxado possível tentando manter meus nervos calmos e minha mente vazia, o que é impossível já que o olhar vazio dos olhos dos meus irmãos vagam pela minha mente me atormentando.

— O que você faz aqui? — perguntei abrindo os olhos e olhando para a rainha dos lobos, tentando me desconcentrar deles. — O que quer agora?

— Eu que te pergunto. — franzo a testa e recebo um sorriso de lado. — Você que me trouxe aqui.

— Olha, com todo respeito, mas você é a última pessoa que eu gostaria de ver agora. Então, não. Eu não te trouxe aqui. Eu nem sei onde é aqui.

— É o meu mundo dos sonhos. Sou uma Peeira, os deuses precisam se conectar comigo de alguma maneira. — responde simplesmente, sorrindo de orelha a orelha.

— Seth te trouxe até aqui, então? Nós duas? — pergunto retórica bufando e me sentando.

— Stella, tem algo te incomodando neste momento? — pergunta cautelosa, eu apenas ri sem humor.

— Tudo me incomoda a muito tempo, sua majestade.

— Você é muito amiga do meu irmão. Sabe do passado dele, não sabe? — assenti olhando para meus pés. — Naquele dia, eles me convidaram para ir jantar com eles, mas eu achei muito mais interessante ir para um bar me encher de álcool até esquecer meu próprio nome. Arthur teve que ver aquilo sozinho, sofrer sozinho e eu nunca me perdoei por não ter estado lá para protegê-lo, para ao menos cobrir seus olhos. Mesmo que eu não pudesse lutar contra uma Rainha Bruxa na época, eu queria ter estado lá apenas para lutar por ele e morrer por ele também. Por que é o que os-

— Irmãos fazem. — completei com a voz rouca, virando meus olhos para outro lugar.

— Quando eu recebi a notícia de que ele tinha morrido junto com meus pais, eu me sentia alta. Sabe? Como se eu não pertencesse mais a esse mundo, como se estivesse errado eu estar viva e eles mortos. Eu que era a bêbada, eu que transformei a vida deles em uma merda desde que me entendo por gente. Eu que devia ter morrido naquela noite, por que eu merecia e eles não. — sinto sua mão tocar meu ombro e me afasto. Soluçando fraco. — Mas foi por eles que eu decidi mudar. Decidir largar a bebida e acertar o que estava me matando. Voltei pro meu pai e prometi que nunca o faria passar pelo que fiz minha mãe e meu padrasto passarem. Eu me reergui e me perdoei por não estar lá, por não estar pronta para estar lá. Eu fiz tudo que podia para me tornar forte e corajosa para eles. Para ser a mulher que eu queria ter sido naquela noite, a mulher que minha mãe podia confiar seus segredos, a irmã que Junior podia confiar em protegê-lo, e a filha que meu padrasto podia confiar que criou bem. E eu sou hoje, estou aqui pro Junior, pro meu pai e para toda aquela família gigantesca que eu tenho hoje.