Prólogo

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Lépida ouvia sua própria respiração, sentia que estava cansada e não poderia continuar por muito tempo. Ela corria no escuro. Era a noite em que Tróia fora invadida. A jovem corria para salvar sua vida. Instintivamente achava o seu caminho por entre o labirinto apertado que se formava em meio as casas de tijolos de barro e pedra. Cada vez mais o som da sua respiração ficava mais forte, ela começou ouvir as batidas do seu coração, sentia suas pernas, que doíam. Não podia mais prestar atenção na sua respiração e nas suas pernas, se fizesse isto pararia de correr. Precisava pensar em outra coisa. Surgiu em sua mente o corpo de Trifóse, sua amiga e cunhada, com um rosto pálido e sem vida. O pescoço de Trifóse... Ah, não queria lembrar aquela cena. E Teleu, seu sobrinho mais novo. Como podiam ser tão cruéis, e matar uma criança tão pequena? Ele também estava ali, no cômodo principal da sua casa, morto. Lépida parou de correr.

Ela atravessava uma viela escura entre duas casas. A da direita era mais alta a da esquerda mais baixa. Olhou pelo espaço que tinha entre as duas casas, e viu o céu cheio de estrelas. Ela não tinha mais família, não tinha mais ninguém. A jovem pôs as mãos no rosto e chorou. Soluços fortes surgiam de repente da sua boca. Enquanto isto sua respiração surgia mais forte, as batidas do seu coração, mais intensas. Lépida respirava. Precisava continuar correndo. Precisava pensar em algo agradável. A jovem de cabelos lisos começou a caminhar. Ensaiava recomeçar a corrida, mas ainda não tinha ânimo. Então, se lembrou de Camila. Aquela era uma boa imagem para ter na sua mente. Camila dizia: " Tia, me deixa pentear o seu cabelo? ". Camila sua sobrinha de 4 anos não tinha pente. Mas, com os dedinhos deslizava pelo cabelo escuro de sua tia. Era uma sensação tão agradável. Diferente daquela noite. Dos gritos que ela ouvia, do cheiro de fumaça. Ah, Camila, iria pensar em Camila. Lépida reencontrou forças para recomeçar a correr. Então, parou. "E Camila, onde estava Camila? Não vira o seu corpo quando fugiu de casa. A jovem olhou para trás, viu as casas, e acima das casas o palácio em chamas. Começou a caminhar de volta, iria procurar Camila. Passava pela casa de Alfeu, e pela casa de Tomas. No passado, sempre que passava na casa de Tomas, ela observava como aquele artesão havia construído a sua casa de forma simples, mas com os detalhes tão bem feitos. Agora ela não via nada mais ao seu redor. A jovem chegou novamente à viela escura entre as duas casas, enquanto atravessava viu, na rua que estava após o beco, uma mulher. A mulher passou rapidamente, seu corpo estava em chamas, e ela gritava. A imagem, que passou tão rápida nos seus olhos, estavam agora fixas na sua mente. Seus ouvidos escutavam os gritos daquela mulher. Lépida virou-se para trás, e voltou a correr. Camila, Camila, sua sobrinha, Não devia voltar e procurá-la? Não queria pensar nisto, só corria. Não iria parar...

A jovem correu. E mais do que havia imaginado que conseguiria, e numa velocidade que não conhecia. Agora não ouvia nem mesmo sua respiração, só via as cenas de sangue e fogo. E, elas a impulsionavam para frente. Então, sem entender bem o porquê, de repente, seu rosto encontrou o chão. "Ai", todo seu corpo doía. Ela havia tropeçado. Foi o vestido comprido que a fez tropeçar? Devia ter prendido a borda do  vestido ao cinto, para correr com mais agilidade. Enquanto reparava no seu traje, manchado com o sangue de sua cunhada, uma mão surgiu oferecendo-lhe ajuda, e ela se levantou com dificuldade, com um receio de quem iria encontrar quando estivesse de pé.

- Lépida, volte. - A jovem magra olhou para o homem que falava com ela. Tinha feições nobres, mas não parecia troiano. Ele dizia:

- Talvez não encontre o que deseja, mas encontrará uma criança. Zele pela vida dela e sua vida será seu despojo de guerra.

Ela olhou mais uma vez para o homem que estava diante de si. Quem era ele? Usava um traje tradicional com  uma túnica de linho sobreposta que, num broche, se prendia  no ombro direito. Lépida não queria voltar...Mas, ele estava firmemente a sua frente. Certamente a impediria de continuar. E como sabia da criança? Seria um deus? Um filho dos deuses? Um sacerdote? Lépida, sem saber bem o porquê, virou para trás e começou a retornar.

A Herdeira de Tróia: a dimensão oculta do poderOnde histórias criam vida. Descubra agora