Quatro olhares de mulher

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A cabeça de Tértulo doía. Ele estava cansado. Fizera a viagem de ida e volta, mais uma vez, a Esparta, e desta fez ele escolheu viajar toda a noite. Ele sentia algo errado no palácio e queria chegar logo.

Os escravos tinham aquele olhar de falsidade. Ele viu este olhar em Nara, em Alexia. Também viu em Tércio, o que o preocupava mais. Mas, talvez Tércio escondia algo relacionado à Stesha, estava claro que a amava a garota queimada. Viu em Edeline, e Adônia, que trabalhavam na cozinha, e elas também eram troianas. Mas, também viu em Maaca, que era hitita, Galena, que era heliota. Provavelmente os escravos escondiam pequenos segredos sem relação, mas precisava investigar se eram segredos isolados, ou se os troianos estavam envolvidos em algo. Tértulo penetrou o palácio pela porta dos fundos e andou em direção à cozinha dos escravos. Trazia um peixe e levou para Andere preparar. Então se atravessou os cômodos do palácio até que encontrou Alexia.

– Alexia, onde está Xandre? – Na sua viagem para Helos, Tértulo havia pensado muito em sua pequena filha. Como seria bom se ele voltasse e ela viesse recebê-lo dizendo "papai, papai". Mas, a realidade era outra. Ele sabia.

– Ela está nos jardins de Helena. – os olhos de Alexia respondiam com medo.

Aquele era o mesmo olhar que ele via em sua filha. E não havia nada que Tértulo pudesse fazer para mudar isto. Quando mais dizia a Alexia para não ter esta postura, mais ela o temia e ficava assustada. Ela tinha motivos para teme-lo, ele admitia, mas não queria que Alexia passasse este medo para sua filha.

Tértulo chegou ao jardim. Ali estava Xandre com Andrômeda.

A ex-princesa troiana segurava um pequeno vaso com o qual regava as plantas. Seus braços eram bonitos, seu corpo, o movimento das suas pernas quando ela caminhava com segurança. Ela tinha uma magestade em cada pequeno movimento, e uma ternura quando falava com Xandre, que estava do lado dela. Tértulo chamou a filha. Andrômeda abaixou-se e segredou algo no ouvido da menina de 3 anos. E, ela veio correndo para ele. Os passos e o olhar eram hesitantes e inseguros, mas ela de fato corria. Corria, parava, olhava para traz e continuava.

"Andrômeda, sempre Andrômeda. Ela sempre aparece em meu caminho. Linda e sem medo, e agora ensinando minha filha a me amar. Por que você faz isto, Andrômeda? Por quê? O que pretende?"

A menina chegou perto de Tértulo, e parou. Não disse uma palavra. Ele a segurou e pegou no colo. Os cabelos escuros e ondulados da garota caiam no ombro de Tértulo. Mas, o movimento do seu corpo era duro. Ela não se sentia confortável no braço do pai.

Enquanto isto lá estava Andrômeda, com o vaso na mão, e aquele olhar de quem não teme nada. Andrômeda estava de pé, em frente do tanque. Sua roupa era simples, como a de uma escrava. Mas, os cabelos brilhavam, enquanto suas tranças desciam até próximo de seus joelhos. Andrômeda tinha propósito em tudo aquilo. Mas qual era? O seu ar de mistério a deixavam ainda mais atraentes. O rosto de Andromeda era doce, mas seu olhar confiante deixavam Tértulo perdido. Andrômeda olhou um pouco para ele e Xandre, então voltou a regar as plantas.

Tértulo queria dizer alguma coisa. Mas, não sabia o que. Devia dizer obrigado? Ninguém deve dizer obrigado a um escravo. Mas, a verdade ele sabia que Andrômeda não era movida pela obrigação. Ninguém havia pedido a ela que desse um momento especial a Xandre, que a ensinasse a correr para o pai. Ninguém sabia o quanto ele desejava aquilo. "Só Andrômeda sabia, só ela conhece várias de minhas fraquezas". Tértulo virou-se. Ainda gostaria de continuar na presença de Andrômeda apenas para observa-la. Mas, não lhe mostraria mais esta fraqueza. O que ela pensa? Que vou até ela agradecer-lhe, dizer o quanto ela é incrível, e o quanto a desejo e daria tudo para possuía-la? Não, nunca farei isto. É Andrômeda que tem que se curvar, eu já me curvei de mais por causa dos meus sentimentos. Tértulo disse tudo isto para si mesmo. E apressou seus passos. Ele desejava que sua postura de alguma forma atingisse Andrômeda. Mas, no fundo ele sabia que a princesa escrava não o amava.

A Herdeira de Tróia: a dimensão oculta do poderOnde histórias criam vida. Descubra agora