Vendida

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O dia ainda não havia clareado, mas Naala percebeu que era o momento de desistir de tentar de dormir. Estava dentro de uma tenda feita de peles de cabra. Não era muito grande, mas o suficiente para três pessoas. Naala se sentou tentando fazer pouco movimento. Seus pês estavam amarrados numa corda que estava ligada aos pês de Aison, o sobrinho do seu vendedor. Naala sentia a cabeça dolorida, e se irritava consigo mesmo por não ser capaz de dormir. Se ela pelo menos pudesse ser mais tranquila, poderia ter boas noites de sono. Mas, muitas vezes uma irritação tomava conta dela, fazendo com que ela chorasse e não dormisse. Era difícil se controlar.

Ela tentava relembrar os motivos que tinha para ser grata, um deles era que nunca tinha sido violentada. Mesmo agora que estava no mercado, sua vida era um tanto tranquila, tinha comida, bebida, e comida de qualidade, tinha até mesmo uma coberta grande de lã para se aquecer, e não sofria nenhum tipo de violência. Ainda, assim a escravidão a revoltava.

O mercado de escravo é um lugar chocante. Naala viu escravos sendo chicoteados, viu famílias sendo separadas, mulheres violentadas. A própria experiência de estar sendo vendida no mercado já era humilhante. Desconhecidos discutiam seu valor, seu futuro, e ela se sentia incapaz de mostrar quem realmente era. Além de não ter nenhuma possibilidade de levantar um dedo para lutar pelo seu próprio futuro.

Naala viu Vlávios, seu dono, se levantando e saindo da tenda. O dia, fora da tenda, começava a clarear. Naala sabia que era o momento em devia dizer algo para si mesma que trouxesse um pouco de paz, um pouco de sentido para tudo aqui. A verdade é que ela sabia que o sofrimento não era apenas dos escravos. Ricos e pobres sofrem. Nenhum homem controla seu próprio destino e quando nos deparamos com experiências que nos provam isto, nos sentimos pequenos e humilhados. "Todos sofrem, todos são humilhados" Naala repetia dentro dela. Mas, ainda havia aquela voz revoltante dentro dela que gritava "Mas os escravos sofrem mais. "

Vlávios voltou para a tenda, ele chamava por Aison que estava dormindo. Mais, uma vez, Naala disse para si mesma que precisava acalmar. Não ia mais buscar um sentido para o mercado de escravos. Bastava simplesmente tentar esquece-lo. Enquanto seus donos se levantavam, e desmontavam a tenda, Naala lembrava do leão branco.

Naala havia passado em várias cidades desde que saiu de Helos. Amiclae, Esparta, Corinto e agora Micenas. Quando estavam em Corinto aconteceu uma experiência incrível: ela viu leãozinho albino.

Ele era lindo, ainda não tinha juba, e estava numa jaula para ser vendido. Mas, quando viu Naala se aproximando dele, fixou os olhos nela. Aquele animal magnifico olhava fixamente para ela. E, Naala consegui ouvir algo. "Era como se ele estive falando comigo em seus pensamentos: "Eu sei quem você é!" Então, o leão que estava de pé, se inclinou e abaixou a cabeça. Parecia que ele estava fazendo uma reverência dirigida a alguém da realeza. Depois de fazer a reverência ele continuou olhando para mim, com aquele mesmo olhar de quem me conhecia e sabia quem eu era."

Aquela foi uma experiência incrível para Naala. Aquele leão, aquele olhar, trazia de volta tudo que ela viu e experimentou no palácio de Arnion. Ela ainda era a herdeira de Troia, e as criaturas mágicas sabiam disso.

A partir daquele dia Naala encontrou uma nova forma de "diversão". Ela ocupava sua mente se imaginando uma rainha mágica. Ela dominava sobre homens, sobre animais, sobre as plantas. Era um pensamento interessante que ela procurava se ocupar sempre que precisava fugir da triste realidade que a envolvia. No fundo ela sentia que havia um pouco de realidade na sua brincadeira, e Naala não estava interessada em definir o quanto de tudo aquilo era real.

Em pouco tempo depois os três já estavam caminhando para o centro da cidade e Micenas. As cordas que haviam nos pés de Naala haviam sido desamarradas, e com as mãos presas, ela segurava a sua preciosa bacia de Cartago, enquanto entrava pelas portas de Micenas. A princípio este caminho era feito com vários outros escravos, mas agora, todos haviam sido vendidos, e só havia ficado Naala. Seus senhores esperavam conseguir um bom preço com ela; e tentavam vende-la como uma escrava letrada. Mas, eles não conseguiam ninguém que quisesse pagar o valor desejado. Enquanto se aproximava da cidade, um tanto quando, Naala reparou numa mulher completamente magra que caminhava com um filho no colo e outro na mão esquerda. Ela estava melhor do que aquela mulher, que provavelmente estava passando fome.

A Herdeira de Tróia: a dimensão oculta do poderOnde histórias criam vida. Descubra agora