De fato foi uma noite chuvosa, e eu obedeci meu pai. Durante o jantar fingi que nada havia acontecido naquela tarde, e Matilda também não disse nada. Acho que meu pai também a avisou para se calar, pois Matilda certamente falaria alguma coisa.
No dia seguinte ela foi trabalhar, e eu fui me encontrar com Jenny, uma vez que Bob teria que limpar o estábulo com seu irmão.
O dia estava fresco, e o céu parecia de ressaca da chuva da noite anterior. As ruas estavam moles devido à água, e várias poças foram formadas. A cidade estava agitada com os afazeres de um novo dia.
Encontrei Jenny na porta da casa dela. Ela varria o alpendre para a avó, mas assim que me viu, jogou a vassoura em um canto qualquer e saímos de Green Rock.
Não tínhamos muito aonde ir, por isso tomamos o caminho do riacho, porém antes de chegar lá, dobramos a esquerda e fomos para o norte. Provavelmente subiríamos em uma árvore, ou roubaríamos alguma fruta de algum fazendeiro esfarrapado daquela região.
No caminho contei o que havia acontecido para Jenny. Ela gostou da história. Riu, é claro. Eu sabia que a história a faria sorrir, e acho que esse tenha sido um dos motivos principais pelo qual contei a ela. Contaria de qualquer maneira, gostava de vê-la sorrir. Não sabia exatamente o porquê, mas gostava de ver Jenny sorrir. Quando se é jovem, suponho que se saiba pouco das coisas. Fazemos coisas sem nem ao menos saber o porquê. Eu fazia.
- Você brigou com sua irmã? – foi a primeira pergunta que ela me fez.
- Não. Meu pai proibiu.
- Que bom. Na minha opinião você briga demais com ela. Padre Martin acharia errado. Acho que Jesus desaprova.
Jenny tinha um certo pavor do que Jesus podia fazer contra ela. Eu não. Nunca temi a fúria divina, como já falei. Não sei, eu simplesmente não conseguia levar a coisa a sério. Pelo menos não como Jenny ou Bob.
- Então Jesus não devia deixar Matilda ser como é – provoquei.
Jenny olhou para mim e revirou seus olhinhos verdes claros. Ela era mais baixa e bem mais mirrada que eu, mas me deu um tremendo soco no braço, riu e saiu correndo.
Eu a acompanhei pelo pasto até que ela se cansou e arqueou sobre os joelhos para tomar fôlego. Ela usava o vestido encardido do dia anterior. O cheiro do pasto molhado enchia meus pulmões até arder o nariz.
- Você vai falar com ela, não vai? – Jenny indagou assim que se recuperou um pouco.
- O quê?
- Você vai brigar com sua irmã hoje, não vai?
- Não. Acho que não. Por quê? - ela apenas me olhou com certa reprovação. – Acho que vou perguntar por que ela fez aquilo. Só isso.
Jenny fungou e tossiu. Seus cabelos loiros, em um tom fraco, estavam soltos, e adejavam ao sabor do vento fresco de maio. Ela não disse mais nada sobre Matilda, e eu fiquei agradecido, de verdade.
Passamos mais algumas horas ali e acolá. Sem fazer nada, realmente. Essa era nossa especialidade. Eu podia ficar o dia todo ouvindo Jenny falar uma ladainha qualquer, ou rir, jogando a cabeça para trás, quando eu dizia algo mesmo espirituoso.
Voltei para casa um pouco mais cedo, umas quatro da tarde, acho, e fiquei fazendo hora do lado de fora. Estávamos apenas eu e minha mãe ali. E a senhora Deborah Butler estava ocupada com os afazeres da casa. Nosso lar ficava afastado da cidade em si, e não tínhamos vizinhos. A casa era espaçosa, toda em madeira e de apenas um piso. No alpendre ficavam duas cadeiras de balanço, onde meus pais se sentavam nos dias mais quentes. A frente da casa era virada quase que totalmente para o norte. Era meio que virada a nordeste. Tínhamos um estábulo pequeno à frente da casa, e minha mãe mantinha um belo jardinzinho na entrada do alpendre. A casa era bonita, e se manteve bonita até a última vez que a vi, há não tanto tempo assim. Pra dizer a verdade, não me lembro de muitas diferenças ao longo dos anos.
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Um Caminho Para o Inferno
ActionEldred Butler é um velho pistoleiro a beira da morte, que conta como foi sua movimentada vida. Uma vida repleta de pecados, crimes, roubos e assassinatos. Filho de um perigoso fora da lei, Eldred foi se vendo cada vez mais envolvido com o crime no v...