Nona Parte (VIII)

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Passei a noite na espelunca, bebendo sozinho em um canto, como nos velhos tempos. Steve estava velho e doente. Quem tocava o lugar era seu igualmente velho – porém saudável – irmão Rob, o pianista. Fiquei bêbado e deprimido, como antes. Lembrei-me de todas as coisa que fiz naquele salão, de todas as bebidas e jogos de pôquer. A única coisa diferente ali era o papel de parede. Antes, algo cinzento e decrépito, caindo às tiras. Agora, algo ainda cinza, porém mais vistoso e novo.

No dia seguinte, engajei em mesas de pôquer e bebidas. Não fiquei extremamente bêbado como quando Jenny morreu. Não estava tão triste assim. Queria apenas me distrair. Tinha a intenção de passar mais uma ou duas noites ali, depois me despedir de padre Martin e ir embora de uma vez por todas de Green Rock. Não havia mais nada para mim lá. Portanto estava vendo aqueles jogos como uma despedida. Posso dizer que foram momentos agradáveis.

- Pago para ver – disse eu a um garoto idiota que estava jogando conosco.

Já era noite, e eu havia acabado de comer um prato de feijão com carne de porco. Não estava bebendo nesse momento, mas sentia um pouco do torpor da bebida de antes ainda em meu corpo.

O garoto mostrou uma maldita trinca de dez e eu arremessei minhas cartas viradas para baixo, indicando que tinha perdido. Então ergui o braço, e mesmo com a barriga cheia de comida, pedi um copo de uísque. Precisava beber, aquele moleque me deixava nervoso.

De algum modo, ele me lembrava eu mesmo. Um garoto em meio aos homens. Talvez ele tivesse um futuro igual ao meu. Isso não me fez sentir menos raiva do menino que levava meu dinheiro.

Naquele momento mal me lembrava dos acontecimentos da noite anterior. Sempre tive facilidade com esse tipo de coisa. Algo que me incomodava, não me incomodava por muito tempo. Graças a Jesus por isso.

Obviamente estava um pouco sentido por tudo o que tinha acontecido. Principalmente por Suzanne ter se revelado partidária de Matilda. Foi duro ouvir o tom em sua voz, e o jeito com que me tratou aquele tempo todo. Por outro lado, eu já tinha passado tanto tempo longe delas, que era quase como se aquelas semanas na minha antiga casa não tivessem existido.

As cartas da próxima rodada foram distribuídas no mesmo momento em que minha bebida chegou à mesa. Éramos três. Eu, um velho burro e bêbado, e o desgraçadinho do menino. Olhei para o garoto, que sorria debilmente analisando suas cartas. Era um sorriso armadilha, um sorriso enigmático. Não dava para ler a porra daquela expressão. Minhas cartas eram ruins. Tive a premonição de que perderia outra para aquela criaturinha maligna.

Quando ele estava acariciando suas moedinhas para pagar a abertura das três cartas, ouvi o primeiro tiro. Acho que foi só eu mesmo, o salão estava movimentado, e ninguém mais tinha um ouvido tão bom para essas coisas quanto eu. Entretanto, logo depois houve um segundo disparo, e a espelunca calou-se. Escutamos lamúrias vindas da rua. Quando o terceiro disparo foi dado, algumas pessoas murmuraram assustadas, e então veio o quarto tiro. Esse mais perto. O salão entrou em rebuliço e eu levantei. O velho que jogava conosco não se moveu, e o garoto recolheu seu dinheiro e sumiu pela porta de trás do salão. Eu não estava propriamente com medo, estava apenas curioso. Toquei no cabo de meu revólver e senti-me mais seguro. Andei meio agachado até a janela, e mais disparos foram ouvidos, mais gritos e queixumes foram proferidos na noite lá fora.

Assim que me aproximei da janela, vi uns sete homens chegando montados até as proximidades do saloon. Os desgraçados atiravam indiscriminadamente para o alto. De repente eles pararam e os animais agitados começaram a patear. Aquela estranha confusão era iluminada por alguns lampiões na rua. O chão de terra estava molhado por conta da chuva da última noite. Havia até uma ou outra poça de lama por ali. Os cavalos giravam e relinchavam na frente da espelunca, e as pessoas que ainda estavam na rua, saiam correndo do caminho daqueles homens truculentos e terríveis.

Um Caminho Para o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora