Quinta Parte (V)

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O quarto de Jenny era bastante pequeno e apertado. Mal cabia eu e ela ali. Havia espaço apenas para sua cama estreita e um diminuto armário de madeira, aos pés da cama. A porta do quarto nem abria toda. A janela que ficava bem atrás da cabeceira da cama; estava aberta.

A menina me olhava com uma expressão de incredulidade. Não era para menos, tinha acabado de contar que havia matado um homem. Se eu fosse ela, não acreditaria. Ela sabia que eu era mentiroso.

- É verdade – assegurei, com um leve sorriso de orgulho nos lábios. Naqueles dias essas porcarias eram minha realização. – Não minto para você.

Essa última afirmação pareceu convencê-la, pelo menos parcialmente, e sua expressão de descrença se transformou em algo assustado e triste. Seus lábios tremeram, e pensei que fosse chorar bem ali, na minha frente. Seu cabelo loiro estava dividido em duas tranças atrás das orelhas. Ela estava sentada na cama, ao meu lado.

- O que foi? – perguntei um pouco arrependido de ter contado aquilo.

Ela não verbalizou nenhuma resposta, apenas sacudiu a cabeça, fazendo as duas tranças balançarem.

- Fique tranquila, não vou morrer – avisei, quase num sussurro.

- Eu sei que não – ela me olhou, sorrindo bela e inocentemente. – Gostaria apenas que você não tivesse matado ninguém. Não pensei que fosse capaz. Jesus não aprova.

- Eu só matei porque ele ia matar Harold – protestei honestamente.

- Você já contou. Eu entendi – retrucou aflita. – Então você devia ter trabalhado na loja com suas irmãs. Não devia ter entrado no bando dele.

- Já te expliquei que as...

- Como você mesmo disse, você já explicou. Não sou surda ou tenho os miolos moles para não entender o que disse – ela baixou os olhos para as mãos descansando sobre a saia marrom. – Só não quero que você morra como Bob.

Meu coração se encolheu um pouco.

Não queria chateá-la. Ela era como padre Martin, e não tinha nenhuma intenção nesse mundo de magoá-los. Mas ali estava eu, magoando a pobre Jenny. De repente me lembrei de que tinha trepado com Abigail, e isso fez eu me sentir ainda mais culpado. Foi como se algo me corroesse por dentro. Uma coisa mesmo horrível. Tentei expulsar aquela coisinha deliciosa que era Abigail de meus pensamentos. Passei a reparar em Jenny, toda inocente na minha frente. Via seus dedos com as unhas roídas se mexendo aflitivamente, via como fungava baixinho, via seus olhos piscando enquanto fitava os dedos no colo. E enquanto eu reparava nisso tudo, a turbulenta imagem de Abigail sem roupa na minha cama se insinuava em minha cabeça. Foi como uma tortura. Quis sair dali. Fiz um esgar com a boca e acabei falando:

- Amanha parto em outro trabalho com Harold.

Ela ergueu os olhos arregalados rapidamente para mim.

- Já?

- O trabalho apareceu – justifiquei debilmente.

- Tudo bem – ela sorriu, e foi um sorriso custoso de se dar, tive certeza. – Vai dar tudo certo, eu sei.

- Claro que vai – tranquilizei-a e passei o braço em volta de seus ombros. – Tudo é tão rápido. Não corro tanto perigo quanto imagina.

Ele pareceu mais calma e me beijou.

Fui pego de surpresa, mas logo retribui. Por um instante lembrei-me de Abigail, e comparei os beijos uma vez mais. Sempre o fazia. Pobre Jenny, não tinha como competir com aquela criatura voluptuosa nascida para isso. Mas chegar a essa simples conclusão não queria dizer que não apreciava o beijo de Jenny. Apreciava e muito. Ela era especial. Esqueci Abigail completamente.

- Tome cuidado – ela pediu depois que nossas bocas se separaram. – Não quero ir ao seu funeral.

Amaldiçoei mentalmente mais um agouro, mas sorri.

- Você não irá ao meu funeral. Te prometo – Beijei-lhe a testa, um pouco nervoso por Jenny ter falado aquilo. – Gosto muito de você.

- Também gosto de você – ela me abraçou forte, tão forte que fez meu coração se remexer de afeto. – Você promete que nunca vai mentir para mim?

- Prometo. Claro que prometo – obviamente, não mantive a promessa.

***

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Um Caminho Para o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora