Segunda Parte (II)

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Em um domingo, enquanto meu pai estava viajando, minha mãe disse que tínhamos todos que ir à igreja. Eu não gostava de ir lá e ouvir toda aquela ladainha do padre Martin. Sim, eu gostava do padre, no entanto não gostava de suas missas. Era chato pra caralho. E não sei por que, às vezes meus pais me obrigavam a ir, e até a me confessar com o padre. Sentia-me um pouco desconfortável em fazer isso. Eu gostava de me confessar com ele se não fosse uma confissão oficial. Gostava de lhe contar minhas coisas em uma simples conversa com em sua igreja. Sem punições, apenas conselhos.

Na época, quando me confessava, não dizia nada demais. Apenas peraltices de moleque. O que me deixava mais sem graça era ter que confessar meus apetites pelas mulheres. Dizia ao padre que gostava bastante delas (mesmo nunca tendo estado com nenhuma), e que tinha pensamentos certamente pecaminosos a respeito da maioria delas. O padre ria, e dizia que era normal. Me mandava rezar qualquer coisa, que logicamente eu não rezava porcaria nenhuma, e dizia para eu ir embora.

Nesse domingo a ladainha lenta e sonolenta do padre foi a mesma em sua igreja branca. Grande parte da cidade lotava os bancos simples de madeira. Jenny estava lá com sua avó, assim como Bob, seu irmão e seus pais. Eu não prestava atenção em nada do que ele dizia a respeito do nosso senhor Jesus. Pensava em um homem morto no corredor da minha casa. Pensava em meu pai dizendo que todos em casa sabiam de sua profissão, e completando que eu era muito novo para saber. Teria sido melhor se ele tivesse usado a palavra estúpido ao invés de novo. Tenho certeza que era isso que lhe ia à mente.

Depois do que pareceu uma pequena e torturante eternidade, o padre Martin encerrou a missa e quando eu estava saindo – apressadamente -, o padre me deteve com certa avidez. Ele veio quase correndo do altar, desviando-se dos que tentavam lhe dizer algo, até chegar a mim.

- Eldred – ele sorriu quando me alcançou no sol do lado de fora da sua igreja. – Espere por mim, sim? Quero falar com você.

- Claro, padre.

- Nós estaremos na loja te esperando. Temos que organizar uns livros – disse minha mãe, que usava um vestido escuro e um guarda-sol para lhe proteger da claridade.

- Estarei em casa – anunciou Matilda, virando-se e se pondo a caminho pela rua cheia de gente andando vagarosamente após a missa.

Conversei um pouquinho com Bob e Jenny enquanto esperava. Quinze minutos depois, padre Martin conseguiu despachar aquele bando de gente chata e me chamou para dentro da igreja.

Meus olhos ficaram temporariamente cegos devido à diferença de iluminação dentro da igreja. Lá fora estava muito claro. Padre Martin andava na minha frente em sua batina negra, eu o seguia, tentando me lembrar se já era tempo de me confessar de novo.

Ele sentou-se em um dos bancos de madeira duros e sorriu para mim, indicando o espaço ao seu lado. Sentei.

- Como você está, filho? – o padre regularmente chamava a maioria das pessoas de filho.

- Bem... – respondi e fiquei esperando que ele dissesse alguma coisa, porém padre Martin continuou me olhando com seus olhos escuros. A cara dele era emoldurada por uma barba negra, constantemente negligenciada de sua atenção. Assim como o emaranhado negro que era seu cabelo. Padre Martin devia ter algo em torno dos trinta e cinco anos naquela época, e alguns poucos fios brancos se viam em seu rosto e cabeça, nada alarmante. O que denunciava mais sua idade eram as rugas em volta dos olhos e na testa. – Digo, estou bem, acho – falei depois de um tempo, pois ele não havia dito nada ainda.

- Aconteceu alguma coisa que queira me contar? – ele insistiu.

Imediatamente me veio o assassinato cometido pelo meu pai, e imaginei como o padre poderia ter qualquer suspeita disso, e então eu soube. Meu pai contou a ele.

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