A oportunidade que esperávamos para agir apareceu um pouco mais de dois meses depois. Eu já estava ficando angustiado com tamanha espera. Nesse tempo duvidei do plano todo e da tensa lealdade de Boca. Estava passando a acreditar que no fim quem morreria seria mesmo eu e Harold, os dois velhos que um dia foram algo, mas que agora estavam enferrujados demais e não eram mais nada. Não depois do trauma que passamos. Comecei a duvidar da minha sanidade por armar um plano como aquele. Sabia muito bem como o último tinha acabo. Pensar nisso tudo deixou-me querendo até por vezes cancelar toda aquela merda. Lembrar-me do passado me fazia querer desistir. No entanto, recordava-me de quem era, de quem fui, e subitamente toda a confiança cega estava lá de novo. E assim foram se arrastando aqueles agoniantes meses
Encontrei-me com Boca e meu antigo bando um pouco antes do roubo. Havia marcado para agirmos no fim de tarde, para podermos fugir escondidos pela noite, se fosse necessário. Não poderia roubar ninguém à noite dessa vez porque tanto eu quanto Harold pararíamos de trabalhar no fim do dia, e precisávamos estar lá para que tudo corresse como devia.
Nesses meses eu e Boca nos encontramos algumas vezes em Clearfield para debatermos e organizarmos o plano. Nessas conversas eu o deixei a par de tudo, de todos os cômodos da casa e por onde ele passaria e em qual ordem. Expliquei exatamente onde objetos que roubaríamos estariam. Enfim, ordenei cada passo que o bando daria. Percebia a cada conversa que Boca não estava muito feliz com eu dando-lhe ordens; por mais que não fossem de fato ordens. Decidimos que não haveria um líder nesse trabalho. Cada um faria sua parte. O único "porém" que Boca colocou foi o de que queria uma parte maior para o bando, já que segundo ele, o bando faria um trabalho maior do que eu e meu parceiro. Cedi relutantemente, fingindo para ele que me importava com isso.
- Está tudo pronto? – perguntou-me assim que nos encontramos em meio à plantação de algodão, que estava no estágio final da colheita.
O céu estava nublado, e o dia estava mais escuro do que eu esperava. Nuvens brancas e cinzas estavam paradas sobre nós, dando uma impressão de que estavam baixas. Para onde se olhava, se via a enorme plantação de algodão de Arnold na planície. Porém ao sul via-se primeiro a mansão de dois andares e várias janelas que roubaríamos e mais além as construções de madeira das últimas casas ao norte de Dos Hermanos.
No terreno de Arnold existia a grande casa, onde ele a mulher e a filha moravam. A oeste da casa ficava o alojamento dos trabalhadores, a leste havia o depósito de algodão e a estalagem, umas cinco vezes maior do que a minha em Green Rock. Atrás da estalagem havia um velho celeiro onde antes Arnold guardava seu produto, porém agora aquela coisinha havia ficado pequena demais para isso, e nesses dias servia apenas para guardar tranqueiras de pouco uso. Como selas, cabrestos, redes, varas, espingardas, móveis, louças, carroças e coisas assim.
- Está tudo pronto. – Retruquei.
Nenhum de nós estava montado. Não sei onde deixaram as montarias. Certamente estavam com Bill em algum ponto estratégico para fuga, já que o mais novo dos Whitaker não estava ali. Com Boca estava apenas Johnse e Boquinha.
O calmo Johnse estava agora com cinquenta e seis anos e havia engordado. Não sei se estava careca ou não, uma vez que ele envergava um chapéu. Não havia barba em sua cara, de modo que também não sei se havia muitos pelos brancos ali. Johnse continuava com a mesma cara, porém mais intumescida e rugosa.
Ao lado de Johnse, vestindo um casado de couro e uma fivela chamativa de ouro, estava Boquinha. Com seus vinte e cinco anos, ele havia se tornado um rapaz menos hediondo do que fora quando criança. Boquinha deixou uma barba negra crescer, o que encobriu um pouco seu lábio leporino; usava o chapéu com a aba frontal apontada para cima, deixando a franja aparecer, e a parte traseira enterrada na nuca. Era algo inteligente, pois desse modo as abas laterais do chapéu ajudavam a disfarçar suas orelhas de abano. Quanto ao estrabismo, bem, ele continuava tão vesgo que nunca sabia se estava mesmo olhando para mim.
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Um Caminho Para o Inferno
ActionEldred Butler é um velho pistoleiro a beira da morte, que conta como foi sua movimentada vida. Uma vida repleta de pecados, crimes, roubos e assassinatos. Filho de um perigoso fora da lei, Eldred foi se vendo cada vez mais envolvido com o crime no v...