Nona Parte (IV)

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No dia seguinte quando voltei a Dos Hermanos, a primeira coisa que fiz foi encontrar Harold na mesma mesa grudada na janela do saloon Tico Amarillo.

Era noite, e o salão estava bem mais cheio e convidativo do aquele na qual conversei com Boca.

- Podemos deixar o plano acontecer, senhor – eu disse assim que terminamos com a tagarelice inútil.

- Por que diz isso? – Harold envergava um casaco cinzento por cima de uma camisa xadrez e um suspensório.

- Porque encontrei os homens que faltavam.

Harold apenas ergueu uma sobrancelha cabeluda e meio branca, incitando-me a continuar.

- Encontrei os homens, senhor – afirmei com simplicidade. Meu copo estava cheio na minha frente, mas eu ainda não bebia.

- Quem são eles?

- Nosso antigo bando – fiquei olhando atentamente para ele.

O velho continuou me fitando, esboçou um sorriso desdentado e desistiu de sorrir.

- Boca e aqueles putos dos Whitaker? – notei o ressentimento em sua voz.

- Ainda tem Boquinha, que cresceu, senhor.

Harold fez uma careta ao ouvir o nome e depois cuspiu no chão de madeira.

- Não estou acreditando em você.

- Pois trate de acreditar – eu estava me divertindo um pouco com a reação dele. Peguei meu copo e bebi.

- Está falando a verdade? Por que fez uma estupidez dessas?

Dei um momento para que Harold ficasse um pouco mais impaciente e apavorado. Olhei em volta, para aqueles papeis de parede com pássaros amarelos. Depois olhei para as três irmãs gordas atrás do balcão, e só então respondi. Harold estava com uma coloração avermelhada.

- Eu os chamei para que possamos matá-los, senhor.

Ele fitou-me com incredulidade, depois com reconhecimento, e então sorriu.

- Seu filho da puta! Seu filho de uma puta! Sem ofensas. Você é um desgraçado astuto, se é!

Ele ficou repetindo coisas assim por um minuto inteiro, e só depois ficou em silêncio para beber mais, aquele bêbado.

- E como tudo será feito? Tenho certeza que já tem tudo dentro desses miolinhos brilhantes – perguntou depois que aparentemente a euforia tinha passado.

- Quase tudo, senhor. Acredito que existam algumas possíveis variáveis. Como por exemplo, o número de homens que estarão de guarda.

Já tinha ficado acordado entre nós que esperaríamos a ocasião em que nós ficássemos de guarda enquanto Arnold estivesse em uma de suas viagens.

- Acredito que teremos apenas uns dez homens no máximo no lugar – continuei.

- Menos – Harold contribuiu.

- Sim, menos. Mas esse número é variável, senhor.

- Certamente que sim.

- Sendo assim, explicaremos tudo para Boca. Explicaremos onde as joias e as moedas estão. Recomendaremos para que não trucidem a senhora Murphy.

- Não queremos que Arnold fique sobre nós mais do que precisamos – observou atentamente o velhote.

- Exatamente, senhor. Por isso falaremos para que Boca e os irmãos Whitaker tentem matar o menor número possível de pessoas. – Prossegui após entornar um gole de meu copo. – Nós abriremos o caminho para eles. Facilitaremos a entrada deles na casa para que façam o que tiverem que fazer. E se a coisa ficar feia, nós os ajudaremos no fogo cruzado.

- E se nada ficar feio? – indagou Harold, um pouco desconfiado.

- Então não faremos nada além de deixar algumas portas destrancadas e tirar alguns guardas de seus postos.

- Parece fácil – ele estava ainda mais descrente.

- Será fácil, senhor – confirmei com toda aquela confiança cega da minha juventude. Essa confiança vinha apenas da minha dedução e nada mais. Sempre fui um idiota mesmo. Por isso Jenny está morta.

- E ganharemos tudo?

- Correto. Tudo para eu e você.

Harold contemplou o teto do saloon, disperso e fascinado.

- E quando Boca morre? – perguntou voltando os olhos (com relutância) para mim.

- Depois que tudo estiver terminado. Na hora da partilha, senhor.

- Ele sabe que ainda existo? – Harold estava ficando empolgado como um garotinho prestes a ver um par de tetas.

- Claro que não, senhor. Você só aparecerá na hora de matarmos eles – tive que explicar.

- Então deixe ver se entendi. Nós abrimos as portas e eles pegam o doce – ele falava com o máximo de eloquência que podia reunir naquele salão cheio de bêbados, cartas de baralho e putas. – Se a porra toda feder, nós tomamos o lado deles e tentamos salvar os filhos da puta?

- Apenas para pegarmos as joias e podermos nós mesmos matá-los, senhor.

- Isso, para nós mesmo matá-los – ele passou a língua pelos lábios murchos. Na verdade ficou fazendo isso repetidamente por um breve instante. Coisa de velho. – Então depois desse tiroteio, que eu espero que não aconteça, iremos partilhar lucros, e é nessa hora que apreço estourando miolos?

- Sim, senhor.

Uma puta berrou um xingamento e depois esbofeteou um homem queimado de sol, de cabelos castanhos. Ele apenas ria em resposta.

- Parece fácil – falou de novo isso.

- Será fácil – repeti outra vez.

- Parece mesmo fácil.

Não respondi. Fiquei já pensando no futuro trabalho. Não pensava muito no roubo, já que esse seria simples e não teríamos uma parte muito ativa. A maior parte ficaria por conta de Boca e o bando mesmo.

- E depois de estourarmos aqueles miolos?

- Nós os enterraremos para não levantar suspeitas, senhor – especulei já sem muito interesse em contar as coisas para Harold. Queria pensar no plano, como se fosse algo precioso.

- E depois de enterrarmos?

- Seguiremos nossas vidas, espero.

- Teremos que seguir separados, garoto, você sabe. – Harold de repente pareceu mais sério.

- Eu sei, senhor.

Não posso mentir e dizer que não senti nenhuma pontada de antecipado sofrimento. Sabia que a coisa teria que ser assim. Depois de um roubo desses, tínhamos que tentar sumir de Dos Hermanos, de preferencia cada um para um lado. Entristecia-me o fato de ter que me separar de Harold outra vez.

Acho que encarava esse roubo como uma espécie de redenção. Nem gosto muito de pensar sobre minhas motivações, ou sobre o que de fato me levou a fazer aquilo. Mesmo sem querer admitir, acho que meu único interesse nisso era recuperar-me diante de meus próprios olhos. Provaria para mim que ainda era capaz, que ainda era um líder, e lavaria minha honra pessoal ao chacinar meu antigo bando. Para mim, era assim que a coisa toda tinha que terminar. Um roubo por redenção, e um massacre por orgulho.

Esperava que a porra toda acabasse assim. Mal sabia que seria por causa desse estúpido roubo que futuramente veria o corpo frouxo do padre Martin caindo na terra mole.

***

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Um Caminho Para o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora