Quarta Parte (I)

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Em um intervalo de menos de quinze dias era a segunda vez que estava presenciando um enterro naquele maldito cemitério. E não haviam sido funerais de duas pessoas que mal conhecia. Primeiro foi Bob, e depois meu pai. Bob que me perdoasse, mas enterrar Eldred pai estava sendo muito pior do que enterrá-lo. Bob, por mais querido que fosse, não se comparava ao meu pai. Eu havia sofrido muito uns dez, onze dias atrás pelo fato de ter visto o menino morrer com meus próprios olhos. E não foi uma morte qualquer. Ele tinha sido brutalmente atropelado por um trem! Pelo Cristo na cruz, ele havia sido destroçado em três pedaços! Creio que isso me impressionou muito. Ter visto toda a inocência do pobre garoto ser tirada de forma tão violenta, me deixara mais triste do que o normal. No entanto, agora a coisa era diferente. Era mais profunda. Era a morte de meu pai. Tratava-se de um sentimento opressor e terrível, algo que se afundava em meu peito. E não havia apenas dor e desgosto, havia também medo e incertezas. Era estranho pensar que o chefe da família não estaria mais ali. Era estranho pensar que não veria mais meu pai na nossa lojinha, que não o teria mais ao meu lado na mesa, comendo e ditando as regras, como fazia. Meu pai era minha rocha, era algo que eu sempre podia contar, e de uma hora para outra, não estava mais lá, estava enfiado dentro de um caixão, com terra molhada por cima.

Era um dia chuvoso, e muitas pessoas compareceram no funeral. Os homens com chapéus e capas, e as mulher com guarda-chuvas. Harold estava em um canto, e parecia tanto indiferente quanto triste, se é que isso é possível. Estava acompanhado de Boca, porém não dei-lhes atenção alguma. Padre Martin, entre uma fala e outra, com a bíblia na mão, lançava-me olhares aflitos. Minha mãe e Suzanne choravam abraçadas, e Matilda tentava manter a postura ao lado de Augustus; contudo também chorava. Jenny estava logo atrás de mim, juntamente com sua boa avó. Jenny parecia angustiada, com lágrimas nos olhos. Aquelas lágrimas não eram por meu pai, tenho certeza, eram por mim; devido ao meu sofrimento.

Inevitavelmente tentei me lembrar de qual fora a última vez que vira meu pai com vida. Recordei-me que havia sido na manhã em que morrera tão idiotamente ao cair do cavalo e quebrar o pescoço. No desjejum ele estava quieto, como na maioria das vezes, e vestia uma camisa branca limpa, com todos os botões devidamente abotoados. Seus cabelos estavam penteados e engomados. Sua barba estava um pouco crescida, e senti vontade de ter barba ao ver aquilo. Acho que esse foi o último pensamento consciente que tive a respeito dele. Ansiei por ter uma barba. Depois ele desejou-me bom dia de modo distante e saiu, seguido de Matilda e Suzanne. Essa foi a última vez que o vi com vida. E então me lembrei de que a última vez que tivemos uma relação mais próxima mesmo, mais emocional, foi quando ele desferiu-me um tapa no rosto. Isso me provocou uma breve careta involuntária de desgosto. Então senti raiva de Matilda, por ter sido a causadora daquele momento infeliz.

A chuva me molhava, já que eu era um dos poucos sem chapéu. Não me importava com aquela porcaria. Pelo menos a chuva disfarçava as lágrimas.

Quando o triste funeral finalmente terminou, fiquei parado, olhando para a lápide de madeira, em forma de cruz e pintada de branco. Um trabalho simples e ordinário. Desejei que meu pai tivesse coisa melhor. Ele havia sido enterrado uns vinte metros a oeste de Bob. Olhei para aquela direção, e além de ver a lápide de pedra de Bob, vi todas aquelas pessoas vestidas de negro deixando o pequeno cemitério pelo arco de madeira. Nesse dia eu estava triste e apático, achando tudo banal e prosaico. Meu humor estava como o céu: deprimido, cinza e impassível.

- Você não vem? – minha mãe perguntou segurando um lenço na frente da boca. Apenas acenei que não e deixei de lhe dar atenção.

Notei que Jenny ficou embaixo de uma árvore, certamente me esperando. Sua avó estava indo embora juntamente com o fluxo. Padre Martin terminou alguma oração e virou-se para mim. Restávamos apenas nós dois ali no túmulo, como há alguns dias atrás. Como tudo fora mais fácil daquela vez. Era horrível que Bob tivesse morrido, mas era apenas Bob. Agora vejo que era apenas Bob. Dessa vez tinha sido meu bom e querido pai.

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