Sexta Parte (XI)

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O sol estava descendo em uma tarde do fim de fevereiro, e nosso bando todo estava em uma depressão, montados, esperando que a comitiva passasse pela estrada.

A depressão ficava uns cinquenta quilômetros ao norte de Newhill, e nos escondia decentemente de quem estivesse vindo pela estrada, que nem era muito movimentada. Havia algumas árvores meio raquíticas, secas e tristes na encosta entre nós e a estrada de terra. Boca garantia que estávamos seguros ali. O sol vermelho de inverno estava bem a nossa frente, e meu Lúcifer agitou o pescoço. Decidi dar esse nome ao cavalo porque em meu orgulho e arrogância da juventude, esperava que o animal fosse o portador do mal. Nenhum dos meus companheiros de bando gostou muito da ideia de ter um garanhão negro chamado Lúcifer entre eles, mas não puderam fazer nada quanto a isso.

- Quando eles chegam? – resmungou Boca, já um pouco mal humorado por estar parado naquele frio.

Eu vestia um casaco novo negro como Lúcifer, chapéu, lenço – no pescoço por enquanto -, colete e luvas justas de couro.

- Não sei o horário exato, Boca, mas já devem estar chegando – retrucou Eustace, também de mau humor por estar nervoso com aquele trabalho. – Já estão atrasados.

Desde que decidiu nos levar para o ramo do roubo de gado, Eustace tinha seus contatos para saber onde e quando comitivas seriam formadas. Até o momento ainda não tinha sido enganado. Me perguntava se aquele fim de tarde não era a primeira vez que seus informantes ganhavam dinheiro a troco de mentiras.

- Está frio, e tenho fome de coisa quente – queixou-se Boca dentro de seu casaco andrajoso.

- Se quiser ir embora, vá – Eustace sugeriu raivoso.

Boca remexeu-se em sua sela, fungou, abriu a boca para reclamar, e por fim a fechou, cuspindo o muco de fumo no mato entre ele e Eustace. Certamente Boca queria meter uma bala entre os olhos de nosso líder. Achei engraçado toda aquela fúria descontrolada passando pela sua cara feia e tendo que ser expelida através de um simples cuspe.

Ficamos em silencio depois disso. Enrolei um cigarro e fumei calmamente enquanto o sol continuava a descer no oeste, bem a nossa frente. Bill retirou uma garrafa de uísque de seu alforje e em duas rodadas pelas nossas mãos enluvadas, metade daquele uísque seco e vagabundo acabou. Estávamos nervosos e ansiosos, e a bebida ajudava bastante nesses casos. Quando Bill ia dar inicio a terceira rodada de goles, ouvimos o som de cascos vindos do sul, pela estrada.

- Calem essas bocas! – ralhou Eustace, mesmo nenhum de nós emitindo nenhum som se quer. Era bom Eustace começar a ter algum respeito por nós. Aquilo estava me enfurecendo, cada vez um pouco mais.

É bem verdade que naquele momento, sobre Lúcifer, esperando a comitiva se aproximar, eu não imaginava o que eu ia fazer ao fim daquela noite. Não imaginava mesmo.

- Esperem eles passarem um pouco, depois saímos – nosso líder de pele bronzeada, de cavanhaque e chapéu, sussurrou. – Os lenços, seus filhos de uma puta. Os lenços. - O "filhos de uma puta" foi dito de forma carinhosa.

Subi meu lenço a acariciei o pescoço de Lúcifer. Levei minha mão direita até meu revólver e o tirei de lá, sentido o já familiar cabo de madeira através da luva.

De onde estávamos não podíamos ainda ver a comitiva, pois o ângulo da encosta era íngreme, e víamos apenas aquelas árvores deploráveis na nossa frente. Quando a condução de gado chegasse mais perto, aí sim poderíamos ver nosso prêmio.

Eustace havia dito que o número de gado não era muito grande, no máximo vinte cabeças. Mesmo assim essa quantidade dava um dinheiro razoável para cada um de nós, dependendo do valor que se vendia. O comprador de Eustace pagava menos que o preço normal, já que sabia se tratar de mercadoria roubada. No fundo nenhum de nós se importava muito com o valor. Já fazia tempo que não brigávamos por coisas assim.

Um Caminho Para o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora