Sétima Parte (IV)

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Na manhã seguinte eu ainda pensava naquelas últimas palavras de Boca, acerca de Harold. Não gostava de admitir que ficara feliz com aquela espécie de elogio, ou comparação. Por isso decidi que sairia de Oldhill East com o horroroso Boquinha e a puta Judith debaixo dos meus braços. Querendo ou não, aquele era meu primeiro trabalho como líder. Tinha que mostrar que era melhor que Eustace. Tinha que mostrar que era capaz de liderá-los.

- Pensei que a cidade ficava perto de Oldhill – comentou Johnse do alto de seu cavalo. – Nunca estive nessa vila antes.

- Ela fica logo depois dessa elevação, é realmente perto – explicou seu irmão

Já era noite, e tínhamos dado a volta em Oldhill para não levantar suspeitas. Agora estávamos na trilha vazia que levava ao vilarejo no qual a família de Boca estava. Eu já sentia-me cansado de ter estado o dia todo sobre Lúcifer, e sabia que ainda teria que voltar. Certamente não passaríamos a noite em qualquer espelunca da cidade. Entraríamos lá para pegar o garoto, e nada mais. Tinha dito a Boca que eu lideraria o grupo, e que ele teria que me obedecer. Em um primeiro momento ele não gostou muito da ideia, mas depois aceitou tudo de bom grado, embora me fizesse prometer por Deus e pela própria Vival de que traria aquele garoto feio de volta para casa.

- Estamos chegando – anunciou Boca, meio apreensivo e meio excitado.

E realmente estávamos. Não demorou para Lúcifer botar seus cascos cansados no vilarejo miserável. Acho que Oldhill East tinha apenas uma rua, com umas vinte construções ou menos. Todas elas de madeira, sem nenhum tipo de pintura. Alguns poucos lampiões iluminavam a rua. Vi apenas duas pessoas andando por ela, mas logo que nos viram, entraram em uma casa. Não vi nenhuma igreja ou delegacia. Fiquei feliz.

- O saloon fica ali – Boca apontou um pouco adiante, na nossa esquerda. De fato lá havia uma construção pequena e feia, iluminada por dentro.

Amarramos nossos cavalos no poste na frente do estabelecimento e eu os encarei.

- Subam os lenços – ordenei brevemente. – Lembrem-se, estamos aqui para recuperar a família de Boca. Não haverá lucros.

Ninguém reclamou. Boca apenas pareceu mais agitado. Acenei positivamente para eles e subi os dois degraus de madeira tosca até a porta cumprida de vai e vem. Naquele momento estava bastante tranquilo e até bastante contente. Não sentia nenhum peso de ter que dar lucro aos homens, ou alguma pressão causada pela presença de um xerife na cidade. Era apenas um trabalho contra um provável trabalhador de algodão, em um vilarejo esquecido por Deus. Quer dizer, quais riscos eu corria? E além do mais, eu era o líder. Sentia uma emoção a mais. Era gratificante comandá-los. Preferia mandar a ser mandado. De repente, ali, prestes a empurrar a porta, recordei de Harold. O que ele diria se me visse sendo o líder? Frequentemente me fazia esse tipo de pergunta. Gostava de imaginar a reação das pessoas diante dos meus atos.

A parte de dentro do saloon era pior que a de fora. O lugar consistia de um salão pequeno, sem piso superior e sem piano. O balcão ficava no fundo, e não passava de uma tábua de madeira sobre dois cavaletes. Não existia estante com bebidas, apenas duas ou três caixas no chão, contendo garrafas. As três mesas de madeira estavam dispostas no salão espremido. Alguns lampiões iluminavam o local, e todos olhavam para minha cara coberta por um lenço e um chapéu. Usava também um casaco cumprido empoeirado em virtude da viagem. Ali havia apenas quatro pessoas. O dono do lugar, atrás de sua tábua, vestindo uma camisa branca e um colete esverdeado; um velho de cabelos cumpridos e brancos, um outro homem corpulento, com um colete aberto na barriga levemente protuberante, e uma puta feia no colo dele, usando um espartilho branco, meias calças e sapatos. Embora seus cabelos negros estivessem penteados no alto da cabeça, algumas mechas se desprendiam dos grampos, dando a mulher uma imagem deselegante. Apesar que tenho que admitir que ver aquela criatura trajando espartilhos no meio de um salão, me excitou.

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