Quando Vival viu Maurice Ewell, seu marido, ela deu o primeiro sorriso em oito dias, e aquilo me partiu um pouco o coração. Vival era a única pessoa que tinha no mundo, e saber que ela me desprezava, era doloroso demais. Assim mesmo eu não deixava que ela visse minha ferida. Depois do sorriso, ela começou a chorar compulsivamente nos braços de seu marido. Maurice era alto e magro, com o cabelo penteado de lado e uma cara lisa e sem barba. Ele não era bonito. Era magro demais, com um nariz grande demais.
Estávamos na sala da casa da minha filha, que ficava dentro em uma rua calma e lamacenta de Dos Hermanos. O interior da residência era quase luxuoso. Ela não morava em uma mansão, porém minha filha tinha todo o conforto que lhe foi privado durante os anos que morou comigo. Havia dois sofás de veludo, um de frente para o outro. Uma mesa dispendiosa de centro; um tapete maravilhoso, de cor clara; e dois quadros na parede. Acomodei-me em um sofá, e eles em outro. Vival ainda trajava um vestidinho simples e um casaco que eu havia comprado depois que recuperei meu dinheiro. Maurice usava um terno preto, com uma gravata borboleta também preta.
Vival já tinha contado brevemente para seu marido o que tinha acontecido, e agora o filho da puta me olhava com absurda reprovação e asco.
- Quero você fora daqui - falou diretamente, e até me assustei um pouco com as palavras.
- Vival, eu... sinto muito - dirigi-me a menina.
- Eu sei que sente, mesmo assim, quero ficar um tempo sem te ver, pai - ela tentava ser educada, contudo, eu via o desprezo e a raiva em seu rosto.
- Sinto muito - repeti, uma vez que não tinha o que falar.
- Nós também. Agora faça o favor de sair de nossas vidas! - o desgraçado não estava se esforçando para manter o desgosto longe da voz. - Por um tempo - ele viu-se obrigado a acrescentar.
- Eu sei. Você tem razão - consenti, abaixando a cabeça. Concordei com ele porque, por mais que o merdinha me lembrasse Augustus, eu era agradecido a ele por dar uma boa vida para minha filha.
- Então pode ir - ele convidou com a cólera na voz.
Olhei para minha filha, e vi que ela concordava com tudo aquilo. Ela me queria longe. Meu olho se encheu de lágrimas, todavia nenhuma caiu face abaixo.
- Vival... - supliquei, e ela simplesmente abaixou a cabeça e passou a analisar as próprias mãos.
- Você é um trazedor de desgraças! - Maurice falou de modo estrangulado. - Por favor, saia daqui!
Respirei fundo, pois por mais que fosse grato a ele, senti vontade de matá-lo de pancada.
- Tudo bem, eu vou - pareciam palavras simples, porém tive reunir uma força absurda para dizê-las. E que opção eu tinha se não a de pronunciar aquelas terríveis palavras? - Antes de ir, quero deixar isso com você - olhei para minha filha, que ficou curiosa e ergueu a cabeça para mim.
Peguei meu saco de riquezas e o abri. Enfiei a mão e puxei três colares de aparência valiosa, e então entreguei o resto para minha filha.
- Não quero seu dinheiro sujo - ela falou com rispidez.
- Ele é seu. Por favor, aceite - me deu um desespero pensar que ela poderia não aceitar. Aquilo era como meu pedido de desculpas. Eu lhe devia alguns, mas palavras nunca seriam tão boas quanto riqueza, certo? - É tudo que tenho, e quero que use esse dinheiro para ser feliz.
Ela torceu o nariz, e antes que pudesse dizer qualquer coisa, eu continuei:
- Se é que posso te pedir algo depois de tudo, esse algo é isso. Fique com o dinheiro e seja feliz, minha filha. - Tive vontade de chorar.
Dessa vez ela só ficou olhando para mim, sem expressão, segurando o saco.
- Por favor - insisti. - Se aceitar, não apareço mais em sua vida. - Foi uma promessa horrível, mas que mantenho até hoje.
- Tudo bem. Eu fico com isso.
Uma onda de alívio invadiu-me. Guardei os meus colares no bolso e me levantei do sofá. Estava na hora de ir. Meu coração estava apertado. Nenhum dos dois levantou para me acompanhar. Vival voltava a ficar subitamente fascinada pelos seus dedos.
É uma coisa estranha quando se sabe que a despedida é um adeus.
- Estou indo... - não sabia o que dizer. Estava de coração partido. - Espero que essa mágoa que tem de mim não dure para sempre. Te amo.
Ela não me olhou. Minha filha não disse nada, e depois de alguns instantes ali, esperando por alguma coisa, qualquer coisa para que me lembrasse pelo resto de meus dias, me vi obrigado a virar e sair da casa de minha filha. Saí sem nem ao menos uma palavra carinhosa com a qual pudesse ficar apegado. Era hora de esperar a morte chegar.
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Um Caminho Para o Inferno
ActionEldred Butler é um velho pistoleiro a beira da morte, que conta como foi sua movimentada vida. Uma vida repleta de pecados, crimes, roubos e assassinatos. Filho de um perigoso fora da lei, Eldred foi se vendo cada vez mais envolvido com o crime no v...