Terceira Parte (V)

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Não sei por que havia levado Jenny ali, mas quando dei por mim, já estávamos no galho daquela mesma árvore na qual me sentara com Bob; na tarde que em vira Matilda e Augustus. Estávamos em meio às folhas verdes e o canto dos pássaros. Era um belo fim de tarde, e o tempo não estava tão quente assim.

Jenny estava um pouco quieta e triste nessa tarde, não fazia nem dez dias que Bob tinha morrido, e ela às vezes ainda chorava. Aquele era o primeiro dia em que não nos encontrávamos dentro de sua casa, ou da minha. Ela usava um vestido bonito, com bordados nas mangas curtas.

- É estranho estar sem ele aqui, não é? – ela resmungou depois de algum tempo. - Era para ele estar conosco – e de repente fui golpeado por um rápido vislumbre de Bob estremecendo sob as rodas do trem.

A menina de quatorze anos ficou quieta, e baixou a cabeça. Me perguntei se ela estava chorando. Senti vontade de abraçá-la e secar suas lágrimas com beijos. Isso de alguma maneira me excitou, e me fez lembrar de Abigail. Eu estava em uma idade terrível, pensava apenas nas mulheres. Mal sabia que isso se prolongaria por muitos e muitos anos. A única coisa que mudou foi que aprendi a pensar nisso quando tinha que pensar. No entanto, com quinze anos, eu só pensava nos mistérios femininos.

Envolvi a menina com o braço direito, como havia feito no dia do funeral e a senti estremecer um pouco.

- Ele gostava de mim – ela falou bem baixo. – Bob gostava de mim, e acho que sempre soube.

- Sempre?

- Não digo sempre, mas percebi já faz um tempo – ela meio que choramingou.

- Isso não tem nada a ver co...

- Eu poderia ter-lhe dado ao menos um beijo – ela exclamou com um pouco de ressentimento.

- Jenny, voc...

- Eu poderia ter dado mais alegria à vida dele!

Então ela se sentia culpada também. Cada um de nós à sua maneira, mas Bob nos fazia sentir culpados.

- Ele gostava de mim – ela sussurrou.

Minha mão esquerda segurava em um galho para não cair, e meu braço direito estava em volta dos ombros da garota. Jenny se segurava com as duas mãos no galho em que estávamos sentados. Alguns raios do fim da tarde penetravam entre as folhas e iluminavam o rosto dela. Achei-a tão bela que não pude me segurar:

- Eu sei que você gosta de mim. – Senti meu coração parar, porque não havia pensado direito, apenas soltei as palavras para ver o que Jenny faria.

Ela me olhou, um pouco assustada e envergonhada. Seus olhos estavam molhados de lágrimas, e sua boca um pouco aberta. Uma mecha de seu cabelo roçava a bochecha, e de uma hora para outra, passei aquela mecha para trás da orelha.

Meu coração estava disparado, e sentia que queria engolir saliva, mas não conseguia. Nossos rostos agora estavam tão próximos que não pude fazer nada mais além de me projetar na sua direção.

Estava tão nervoso que nem sei o que fazia direito. Era como se fosse um sonho.

Nossos lábios se tocaram e começamos a nos beijar. Na hora me pareceu algo maravilhoso. Lembro que enquanto a beijava, pensava que estava de fato beijando Jenny, que havia conseguido! Mas hoje vejo que aquele beijo foi um pequeno desastre. Não digo que o ato do beijo foi um desastre, me refiro à execução. Nenhum de nós tinha beijado antes, e aquilo que fazíamos entre galhos e folhas verdes, era uma bela confusão de lábios e línguas. Apesar de maravilhoso, foi estranho.

- Você gosta de mim – afirmei quando nos separamos depois de um minuto.

- Gosto – minha doce Jenny sorriu de vergonha.

Ri alegre. Era a primeira vez que ria de júbilo genuíno desde a morte de Bob, e subitamente Jenny me acompanhou. Foi um momento feliz, e finalmente pensei que estivesse superando a morte de Bob, que algo de bom tinha acontecido na minha vida. Não imaginava que mergulharia na tristeza tão de repente quanto aquele beijo tinha acontecido.

A noite estava caindo rápido, e depois de deixar uma Jenny sorridente na casa dela, voltei para minha própria. Já estava escuro quando cheguei. Minha cabeça estava cheia de pensamentos e lembranças da tarde, do beijo no meio dos galhos, e de Jenny. Só pensava em Jenny, e de como achava que gostava dela. Sentia-me leve como não me sentia desde algum tempo atrás. Talvez desde o dia em que vi meu pai atirando no homem no corredor.

Havia algum movimento na minha casa. A porta da frente estava aberta, e de lá saía a iluminação amarelada dos lampiões. Fiquei curioso. Os grilos cricrilavam enquanto subia os três degraus de madeira do alpendre.

Minha mãe estava do lado de dentro, perto da porta aberta, e quando me viu, veio em minha direção, me levando pelo braço até alguns metros da porta, diretamente à frente da janela da sala. Minha mãe parecia chorar, e fiquei preocupado.

Pela janela podia ver Matilda e Suzanne sentadas no sofá de couro de vaca. Suzanne chorava, e Matilda mostrava um semblante de espanto. Também vi padre Martin de costas, e mais dois homens segurando chapéus. Pareciam vaqueiros.

- O que foi mãe? – perguntei com o coração apertado, sem nem saber o porquê.

- Seu pai – ela falou, segurando uma ponta do avental sujo do que parecia ser molho de tomate.

- O que tem ele? – perguntei aflito, procurando-o pela janela da sala. Não o via.

- Caiu do cavalo – os olhos de minha mãe estavam atormentados.

- Caiu do cavalo?

- Morreu – ela anunciou por fim, e meu peito se encheu de angústia. Não tinha espaço para mais nada, apenas a aflição e a angústia.

- O quê? – já sentia as lágrimas se anunciando em meus olhos.

- Morreu – ela assegurou com tristeza e desespero.

Tentei dizer algo, mas não consegui. Saí correndo para dentro de casa gritando por meu pai.

Quando entrei, os dois vaqueiros se assustaram, e tentaram me conter. Eu almejava chegar ao quarto do meu pai, como se assim fosse encontra-lo vivo. Estava agindo estupidamente, mas creio que nesse caso fosse justificável.

Vi-me livre dos dois vaqueiros cheirando a bosta de vaca, e observei que minhas irmãs olhavam para mim. Eu gritava e chorava. Suzanne me acompanhava, e então até Matilda se rendeu às lágrimas. Elas olhavam para mim e choravam. Quando cheguei perto no corredor que levava aos quartos, padre Martin botou a mão em meu peito e foi assim que eu parei. Olhei em pânico para ele, querendo que me falasse que tudo aquilo era mentira, mesmo sabendo que não era. Sabia que não era.

- Pare com isso, filho – só via verdade, agonia e tristeza nos olhos do padre. – Ele está morto.

***

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Um Caminho Para o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora